Acrílico sobre tela engradada pintada no verso 30X30 cm.



 

A casa e o exílio 


Sempre houve na minha vida 

uma casa pintada de branco 

em que me deixavam viver 

tomando aquele princípio da luz 

como o destino das palavras 

que sobrepunha a outras palavras 

oferecidas umas 

roubadas outras. 

Naquela casa pintada de branco 

duvidei sempre do simbolismo 

como se o meu "depois" 

não fosse o "antes" 

de qualquer coisa. 

Sonho muito com casas abandonadas.









O lugar de uma flor


É ao fim da tarde 

que me preparo 

para a chegada da noite. 

Cantando soletro 

     sombra

     silêncio 

     sagração 

leio um poema 

como se fosse um estranho 

depois pergunto-lhe 

"como nasceu essa flor 

entre os teus seios? “





 Foto de Ana Luís Rodrigues




Curto diálogo entre um amante e o seu contrário 


O seu contrário:

-Por favor deixa-me sossegada. 

O amante:

-Está bem, amar-te-ei amanhã de manhã. 

O amante de si para si:

-Poemas por encomenda, não!





 Foto do autor do texto



Terracota, malmequer, chocolate, etc. 


Há quem tenha amigos 

à espera no café todos os dias 

no mesmo café. 

Combinam o encontro 

como se fosse o primeiro 

dizem o nome do café 

com o mesmo carinho com que dizem 

o nome dos netos. 

Todos os dias no mesmo café 

já nem precisam de dizer ao empregado

     um descafeinado e um copo de água! 

basta fazer um sinal com o dedo 

ou dizerem

     “o costume!“. 

Sempre à mesma hora 

na mesma mesa 

na mesma vida 

as mesmas palavras 

sobre qualquer que seja o assunto

em conversas repetidas

ou triviais. 

Depois da peregrinação 

a volta a casa 

a caixa de papel pardo 

com os dois bolos do costume. 

Caminham felizes repetindo 

de si para si ao compasso 

a palavra de que mais gostam

e da qual se esquecem constantemente 

terracota! 

terracota! 

terracota!

ou

malmequer! 

malmequer! 

malmequer! 

ou

chocolate! 

chocolate! 

chocolate! 

a cada um a sua palavra.





 Foto do autor do texto




O passado é um saco com pedras


Sei que me esperas porque eu sou

de todos os teus filhos o teu único filho. 

Mas não vou sair daqui

tenho frio, tenho muito frio

embora o sol me entre pela casa dentro

sairá pela porta do fundo. 


Foram claras as tuas palavras, lembro-me

mas não sou mais do que uma criança

com sono e com má memória.