Rosa
Comprei uma rosa negra em Alexandria
___ a última
Parto dentro de uma hora
de nada vale fazer pedidos a Deus
se não puderes esperar
já não verás os meus cabelos brancos
mas digo-te
que levarás contigo a rosa
e um último beijo nos teus lábios.
A verdade não é o que tu dizes é o que tu pensas
As palavras do delírio
Farei hoje a colheita
das palavras que passeiam
pelos ínvios caminhos
que um poeta me revelou ___
pego no seu livro
folha a folha
palavra a palavra
guardo-as no bolso do albornoz
para antitóxico contra a maledicência
de leitores conservadores
que se encontram a cada esquina
da ignorância.
Obrigado poeta maldito
levo os bolsos cheios de espigas
com que farei o pão do delírio.
As árvores
As árvores no seu poiso
involuntário
tementes às ameaças
mas desejosas de ternuras
vindas do céu ou da terra
agitam-se com os cânticos
do vento por entre a folhagem
estremecem o que podem ___
___ impossível o diálogo
com as aves ou as pedras
ouvem mas não respondem
Como árvores solitárias
pedem que olhemos para elas
e que as abracemos.
Partilho o Outono
Os teus seios como são flácidos
escorridos e pálidos os teus seios
que adormecem contigo
por isso cuido do teu silêncio
finjo que não sei falar
para que repouses
com os teus seios cansados ___
___ ainda assim belos
naquela penumbra interpelando
o meu desejo ___ a minha pele
Vem ___
___ toma de mim o que resta
tenho uma palavra nova
a nascer na minha boca
quero partilhar contigo este Outono.
Partilho a Primavera
Os teus seios como são fortes
e luminosos os teus seios
como se agitam com a tua voz
por isso te provoco as palavras
e finjo que não ouço
para que repitas ___ com mais ímpeto
Os teus seios como falam
mais belos na luz quebrada
dos sentidos que valorizo
na urgência do apelo da minha pele
Vem ___
___ senta-te à mesa do meu corpo
tenho uma papoila a nascer na minha boca
quero partilhar contigo esta Primavera.
Alguém disse o meu nome?
Um banco de jardim
é o lugar certo
para desdobrar as horas ___
___ ali se comem as palavras
os olhares são como arados
a desbravar a imagem
de um e de outro que passa
e onde nunca será
lançada a semente
Infértil e desajustado pensamento
que mói os dias
uns atrás dos outros
naquela tristeza silenciosa
de que já tinha ouvido falar ___
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___ até uma ave no seu canto
parece ter dito o meu nome.
As minhas camisas
As camisas em fila no armário
em cada uma a cor dos meus dias
é vê-las de braço dado
como se tivessem vida própria
Achei curioso que algumas
tivessem os punhos entrelaçados
sinto que alguns dos meus braços
partiram com outros braços
ou que alguém vestiu comigo
as minhas camisas.
Acertemos tudo
Gosto que me ames
___ mas não ao pé-coxinho
porque nos desequilibramos
___ mas não com beijos
em que os lábios não coincidem
isso serão meios beijos
___ mas não com as mãos
dadas somente na explosão
como carícias de aflição
Tenho cantado a desoras
toda a minha vida
Gosto que me ames
___ mas agora com as horas certas
para que os nossos ponteiros coincidam
___ que plantes beijos na minha pele
mas que não te esqueças
de regar as nossas flores.