Foto do autor do texto
Conquista
O amor é um campo de batalha
que se conquista palmo-a-palmo
em sucessivos duelos a golpes de ternura
até à rendição.
A verdade não é o que tu dizes é o que tu pensas
Nega-se o sol na boca do Outonoa difícil aceitaçãoda transformação da luzcom a chegada do medoo escuro que Goya inventoua trágica camisa brancano lugar do corpoe a boca do Outono a mandarno destino ___ no solnão sei se é por ser Outonomas há um navio abandonadona boca do Inverno.
Viagem pelo corpoDeslizo pelos teus braçossem tocar a tua pelevejo um espaço iluminadodentro do teu peitoe a sombra de dois seiosque conheçoencontro o teu ventre floridocor e céue duas pontes de pele rosaque passam do teu mundopara o outroonde se perde o meu desejoa seguir tudo é deserto ______ gelado.
__________________________________________________________________
Não é eternoNada advém de eternodaquilo a que chamamos amoros que se amaram no passadodesconheciam a brutalidadedas palavras que já existiamno seu futuro comume como se magoariam com elasmas nem por issoas cerejeiras deixaram de dar floras aves rumaram à sua origemas nuvens pararam o seu caminhoe choveramsobre os campos e as cidadesum dia e uma noiteum dia e uma noiteum dia e uma noitenos campos e nas cidadestudo o que era eternocontinuou eternotudo menosaquilo a que chamamos amor.
A minha imolaçãoColoco-te a um canto da imageme deixo à esquerda o mare sobre ti o céu ______ o mais possível de céudepois vou para a alamedados que querem pisar o fogojulguei que podia caminhar sobre brasasà tua vistae que os nossos domingos fossema exaltação em que eu percorriao caminho do fogoe tu festejavas a minha bravurafoi infeliz o retrato que fizeste de mimporque te convenci que poderiacaminhar sobre o fogoenquanto tu ao canto da imagemcom o mar à esquerdae o mais possível de céu sobre tiassistias à minha imolaçãoaté ao último floco de cinza.
Calvário
Ao que chamam calvárioé uma montanha de vozes escurasé a falta de branco na madrugadaé a sombra de uma cruz na nossa camaé uma ausência e outra ausência à nossa mesaé o sangue a queimar-nose as artérias a latejaremsão as notícias graves a atravessarem a nossa casasão risos de criança numa espécie de ecolá para o norte do mundo
ao que chamam calvárioé a última semana do mês vivida num lugar imóvel.
O poema impossivelUm poema insinua-senum momento de perigoo sangue continua o seu percursoo sexo pulsa repousado e tristerecordo nomes até chegar ao teuo mais longo ___ de mais letrasno meu corpo vibra a tua vozcom inflexões e ecos de catedralcombinámos fazer juntos um poemamas juntos apenas morremostentando a respiração boca-a-bocasem vontade morrendo aos poucosnuma chávena com chá já frionum calendário com a folha do mês passadona paz ofendida das nossas noitesnum momento de perigoassistimos ao eclipse do poemacom as mãos em liberdade ___ sozinhas.
Impulso meditadoEstava eu em confortável repousorespirando como um peixeem lago cálidosobre o silêncio soaramvozes líquidasmúsicae vivastiraram-me à forçapara dentro do mundotudo parecia simplesera noitetudo deixou de ser simplesera diafoi por isto que matei deusaos dezasseis anos.
Um segredo como um ovoFoi crescendo um segredo até ser grandenuma concavidade da memóriaum ovo onde se conservam mortospequenos segredos a preto e brancopartidas implacáveis pelo oceano foracartas sem respostamúsicas escolhidas a correrem no sanguemadeixas de cabelo sem idadedesgostos lacrimosos fora do sítioum vestido adormecidofotos de beijos em contraluze o rosto de um corpo inesquecívelfoi crescendo um segredo tão distantecomo a retroeternidadeafinal a minha memória não cristalizou.
Feliz a naufragarSou feliz nos momentosem que fico adulto como tuem que chego aos teus olhossem escada ___ sem asassou feliz nos momentosem que navego e avisto o teu corpoquando naufrago e me salvase esperas que encontre chãona tua boca aberta como uma casaé aí que me salvas do tempoe te salvas também sem tempoé o momento em que ouvimos atentosa trompa do farol ___ e a sua luze acreditamos que já estamosa apagar a nossa saudade.
Sobre as minhas mãosDesejo que as minhas mãos sejam livresmas que elas obedeçama todos os desejos do meu cérebroque me surpreendam com o resultadodos movimentos dos seus dedosque falem do que o meu cérebro lhes confiae que mesmo os erros a que dêem execuçãoseja o trabalho dedicadodo que lhes foi encomendadosem consideraçãopor equilíbriopor certezapor contençãotodos os conceitos lhes serão estranhosas mãos não são para pensarespero a sua dedicação e fidelidade.
Ausência para sempreO homem quase velhoestá sentadotem na sua frentedois copos e uma garrafao homem fala para um vazionuma cadeira vaziafala para a ausência do seu paipelo nariz do homempassou o cheiro do tabacoque o seu pai fumava ______ ele estava alio homem encontra-secom a ausência do pai depoisde muitos anos da sua morteo homem é já mais velhodo que o seu paio homem passou a noitemeditando na ausência do paie por este estar ausentefoi capaz de lhe dizero que nunca foi capaz de lhe dizerque terminou num sussurromato-te para sempre meu paio pai riu-se numa nuvem de fumocoisa que nunca o viu fazero dia levantou-see uma folha de luz entrou
por entre as cortinas da noite
brilhante mas diferenteda luz simples do soliluminando o lugar do ausenteo homem não resistiu e saudoua ausência do seu paicom um gole de bebidae com as suas últimas lágrimasdepois queimoutodas as fotos do seu pai.