Levantaram-se

empilharam as cadeiras, apagaram a luz

e saíram todos.

Não mais voltariam áquele lugar.





Já houve quem descobrisse,

que não há amor que morra


sem antes ter existido


e, essa é a única morte


de onde se pode voltar.






Tocamo-nos apenas através da luz que nos envolve.




Percebo

tudo, 

quando

não 

explicas

eu

sinto.






Não há canto de aves,

nem brisa pela folhagem,


nem fresco da manhã


que tirem do fim da noite


todas as palavras feridas.





As minhas mãos
já não confiam no que sentem.
As minhas mãos
já não sentem no que confiam.
As minhas mãos
já não confiam.
As minhas mãos
já não sentem.


 

 
 
 


Como um pássaro pousado num quintal da cidade



Despretensiosa micro-peça de teatro em
três mini-actos, reproduzida acto a acto para não fatigar os leitores.


Primeiro Acto
 

 
 
Segundo Acto
 
 

 
 Terceiro Acto

 

 


Pequeno manual para fazer funcionar o amor


1)
Pousa a tua mão na outra mão, isso é o início. 

2)
Depois, é preciso rir das nossas palavras desencontradas. 

3) 
Saber que o clarão é o desejo e vê-lo concretizado. 

4)
Não é preciso chorar basta dizer "estou a chorar". 

5) 
Quando dizemos "está frio" sabe-se que há um calor dentro de nós. 

6)
Desta combustão nasce a tensão criadora que origina a correcta vivência de duas bocas respirando. 

7)
Logo a tristeza passa a ser um lugar ambíguo e mutável,

8)
Todos os lugares onde se armazena o amor devem estar sóbrios e evitar que sejam sombrios. 

9)
O amor tem garantia desde que sejam seguidas as instruções deste manual. 

10)
Em caso de má utilização a garantia deixa de ser aplicada
por muito que os praticantes se esforcem.




Ninguém fala e todos ouvem
 esperando que um de nós
 seja o primeiro a gritar,
 inútilmente.





                                                    Foto de Bartolomeu Rodrigues 



Gosto que deixes a porta entreaberta, acredito que desse lado seja dia. 




Queres que te desenhe um homem!
E que homem queres tu que te desenhe?
Um homem de que cor?
Um homem sem amor?
Um homem de bigode?
Um homem num pagode?
Um homem de bicicleta?
Um homem com a sua neta?
Um homem surdo?
Um homem curdo?
Um homosexual?
Um homem virtual?
Que homem afinal?





Debato-me antes de me afogar
morro na tua boca morro no teu silêncio 
ainda me fazes bater o coração em cada contracção 
deixo-me encandear com o desfrute do teu peito. 
Sinto verso atrás de verso antes de me afogar.




Nunca ninguém saberá
que dois loucos se encontravam
escondidos na madrugada e
em segredo murmuravam
frases belas mas insanas.
E quando vinha a manhã
oh, muito sorriam eles
e quando se despediam
já choravam de saudade.
Até que um dia de noite
esqueceram os seus caminhos
e para sempre em segredo
deixaram de amanhecer
deixaram de murmurar
deixaram de ser segredo
escondidos na madrugada.





                                                     Foto de Bartolomeu Rodrigues 
    

-Perdi-me, estou sem memória, digo eu às minhas pernas. 
-Senta-te, respondem-me elas, estamos cansadas. 





São noites,
em que arrasto o pesadelo pelo empedrado do sono,
intermitente.
São noites
em que há uma certa música que me trespassa a memória.
São noites
em que revejo as imagens de como eras naquele tempo.
São noites
em que me perco na confusão das ruínas dos lugares onde vivemos.
São noites
em que as tuas falas me castigam como se eu fosse a tua renúncia. 
Por fim,
acordo suado nos lençóis maculados e amarrotados
pela tua fugaz passagem,
sem retorno
E tudo se constrói,
sobre o que foi destruído.




Ninguém até hoje descobriu como ressuscitar o colo maternal.



Pensávamos que éramos pobres. 
Achávamos que o que tínhamos era pouco, 
agora, atrás de cada dia, 
vão faltando acordes na nossa sinfonia,
passeamos no parque mesmo que ele não exista, 
aceitamos que nos falem do mal-estar humano, 
não nos irrita a felicidade dos outros
porque eles não se sabem infelizes. 
Pensávamos que éramos pobres.




E de repente
tudo o que é real se torna uma nuvem.
Contemplam-se as formas
e a imaginação constrói
objectos, corpos, rostos.
E de repente
o que é real é a terra a mover-se
e ambos mais longe,
cada vez mais longe,
cada vez mais longe,
até não sermos mais que um ponto no horizonte. 
Reconhecemo-nos mas não sabemos
qual é o nosso lugar
temos as mãos ávidas de outras mãos.
De repente
Toda a realidade é uma nuvem.




Um poema
pode não nascer só das palavras.  
Um poema
que não saindo da voz
sai do corpo
entra de leve
e ao mesmo tempo de rompante
por outro corpo dentro.
Um poema
faz perder uma manhã
para olhar
e encher a nossa boca
de outra boca. 
Um poema
pode ser dois seios
dois versos num só poema
com dois pontinhos finais.



                                                          Foto de Bartolomeu Rodrigues



Concordo. A tua partida é a melhor solução mas deixa aqui a minha mão.




Qual é hoje a minha dor?
A dor que hoje me dói
é não ter nenhuma dor
daquelas que tive dantes
quando não gostar doía
mas quando a dor de gostar
era ainda a mesma dor
aquela que eu não queria
porque gostava e sofria
porque doía e doía
e nada me convencia
que a dor que eu sentia
era a dor de só um dia
por saber que se perdia
aquela dor que doía.

Qual é hoje a minha dor?




…e tudo se calou!
    O calor da música,
    o som do sol,
tudo se calou!
    A casa voltou a ficar em ruínas,
    a rua, de novo, um caminho sem caminho,
tudo se calou!
    As lágrimas voltaram de vez aos olhos,
    os corações deixaram de bater… assim,
e tudo se calou!


Consta que alguém pisou uma flor
que acabara de plantar,
e tudo se calou!



Sinto-me a cair mas agarro-me com afinco a esta tontura.





Somos uma ilha
desejando ser um istmo.

Somos uma pomba
desejando ser um corvo.

Somos a sanidade
desejando ser a loucura.

Somos a água 
desejando ser o fogo.

Porque o desejo é o sonho
e o real é o que somos.

Só o sonho matará a morte
mesmo que a morte seja o sonho
de quem já não pode sonhar.