Foto do autor do texto
A tua camisa
Mulher ___ visto a tua camisa
porque assim
estou com o perfume da tua pele
porque assim
estou dentro de ti.
Tomo nota
Tenho escritas num caderno
palavras que nunca me disseste
fui escrevendo uma a uma
mas nunca as reli
a última que escrevi foi
gostar
poderias ter dito
gosto de ti
é mais carinhoso do que
amo-te
é mais consistente
e menos cinematográfico
talvez um dia faças com que eu
a risque do meu caderno
há uma palavra
que nunca me disseste
mas que não escrevo
no meu caderno
adeus.
Fotos do autor do texto
Doente
É irreal a minha doença
tão bem inventada que se tornou
tão perfeita como uma doença real
tão bem interiorizada que sinto tudo
o que uma doença real nos faz sentir
sei que é irreal porque eu próprio
lhe criei os sintomas
doem-me as memórias quando escrevo
passado ___ saudade
trava-se-me a língua quando procuro
as palavras precisas
ardem-me os olhos quando me recordo
de algum alguém
e quando Invento tenho febre
na alma acesa
e morro ___
___ sempre morro depois de cada poema.
Não repitas aquela palavra que sabes
que magoa
___ como um dilúvio sobre um país que acaba de nascerque magoa
___ como uma mão que leva um coração que começou a bater
que magoa
___ como perder a boca quando aprendemos a respirar
a palavra que magoa
quando se perde quem chegou ao nosso corpo ___
___ e partiu.
Foto do autor do texto tomada do documentário NOSSO MUNDO
Foto do autor do texto tomada do Canal Mezzo
Trágico vermelho
É trágica a cor do teu vestido
é trágica a sombra do teu peito
é trágico este calor tão gelado
da tua sensualidade
é trágico como invades o meu desejo
que é como quem diz
como invades a minha vida
a tragédia é este meu olhar absurdo
sem qualquer promessa
uma espiral alvoroçada
no lugar onde começo como homem
o afloramento das águas
nas palmas das mãos
e os tacões dos teus sapatos
como castanholas
a marcar o meu tempo teimoso
que decorre entre sempre e nunca ___
___ essa é a tragédia.
Foto do autor do texto tomada do documentário NOSSO MUNDO
Água
Dei o alarme e recuei
o rio galgou tudo
o que a terra ergueu
as árvores curvaram-se
à sua passagem
um clarão na nascente
iluminou a silhueta da montanha
Dei o alarme e recuei
um cântico em eco repetia
água é vida
água é vida
peixes de várias cores
em velocidade incontrolável
corriam com as águas
muitos ficavam pelas margens
em saltos mortais
Foi por causa deste sonho
que nunca aprendi a nadar.
Vídeo do autor do texto
Acredito que um dia
Acredito que o mar um dia
chegará à minha casa e que
as sereias vistas nos mares do norte
se revelarão aos incrédulos
Acredito que virão com as suas
grinaldas e uma mensagem florida
de tanta pureza que hoje
só as crianças acreditam nela
Quando o mar um dia
chegar à minha casa
estaremos ainda todos
naquele tempo em que dávamos
as mãos às nossas mães
antes de entrarmos no mar.
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