Este texto foi encontrado no diário do meu avô que morreu com 92 anos. Foi escrito uma semana antes da sua morte.
Adultos apenas uma vez
Nós já não somos adultos outra vez.
É na nossa inocência que se espanta o morto
e que desponta na ignorância uma criança.
A vida passa a ser uma cantilena num labirinto
de onde não precisamos de sair.
Voltamos ao confronto com os nossos
já muito velhos pais mas queremos ser ainda
os guias dos nossos filhos adultos.
Entramos de novo na escola mas dizem-nos
que é a universidade, é lá que voluntariamente
habituamos a idade ao enfezado das matérias.
Corremos de joelhos e guinchamos
a brincar com as outras crianças de verdade,
são os semeados netos de quando fomos adultos.
Dentes, temos menos, em silêncio
na nossa boca aparecem os que faltam,
nasceram de novo mas do nosso bolso.
Ainda nos perturba o apelo sensual
como um júbilo adulto demais
que passa perto como um sopro
e acende uma pálida luz no nosso ventre.
Reaprendemos como se conta a nossa vida
no sexo triste há muito tempo calado.
Recolhemos cedo ao conforto demorado
do berço grande, lugar outonal
depois do prazer encontrado
nas papas moles do tempo.
Esperamos que nos peguem ao colo
quando nascermos de novo
para o outro lado da vida.