Foto de Ana Luís Rodrigues




Espero-te


Espero-te no mesmo lugar há décadas 

fiquei parado nas tuas palavras 

e nas imagens que deixaste 

nas fotografias de outras 

como se fossem tuas 

que estavam por todo lado 

Espero-te nesta dobra da vida 

há décadas no mesmo lugar 

ou seja 

numa constância dentro de mim

e quando chegares 

porque eu sei que virás 

nessa altura partiremos juntos 

sem mais impedimentos 

com o sol pelos joelhos

por um caminho com 

a larga berma do entendimento 

como se tudo fizesse sentido 

embora saibamos que não 

Ganharemos então o nosso tempo 

e já poderei 

queimar todos os meus poemas.




 






O que não podia ser adiado


Não é possível reinventar o que aconteceu 

ali estava Abril ainda frágil e a precisar de auxílio 

a precisar de caras decididas a deixarem-se ver 

Alguns diziam 

          E as famílias meu Deus! 

e nós dizíamos 

          As famílias serão filhas de Abril 

          e Deus não existe! 

E assim foi ___ noites que eram como os dias 

o sono não se atrevia, seria levado de vencida

como tudo o que era contra Abril 


Muitos e muitos anos depois 

os filhos dos pais de Abril ainda pensam 

que os traímos com a revolução 

e que cresceram sozinhos 

Já ninguém te pergunta se tens 

frio 

fome 

felicidade 

Esta é afinal a vida de um homem livre 

e solitário que foi um funâmbulo caminhando 

entre o dever e a renúncia.




 

 


 Foto do autor do texto



A tua velha casa


Imagino a tristeza que vai na tua casa 

parei por acaso à tua porta

e vi a desolação 

o que os vidros partidos dizem 

o que os vasos com plantas velhas 

pedem a quem passa 

a cor envelhecida da porta azul

as portadas das janelas todas fechadas 

vedam a entrada do olhar dos dias 

umas tiras de luz mortiça no lugar 

onde me recordo que era a sala 

dão um sinal de vida quase apagada 

Imagino a tristeza que vai na tua casa 

ainda por aí deve ecoar a minha voz 

dizendo o teu nome 

quando deixavas cair a cara sobre o peito 

até ficares sem nome ___ sem voz 

Está tudo em silêncio 

apenas ouço o latido do teu cão 

na sombra da tua casa.




 



 Foto do autor do texto




A minha cidade


Trago dentro de mim a cidade

onde a minha infância é um rossio 

e onde já morei em várias ruas 

Vi-me em becos ___ vários ___ todos com saída 

e sempre que tentei chegar mais depressa 

e seguir por travessas nunca 

encontrei o caminho ou cheguei tarde 

Nos dias de sol quando passeio 

pelas minhas avenidas vejo 

o meu pai em várias janelas e varandas 

lendo poemas em voz alta e 

em várias janelas a minha mãe sentada 

no parapeito balançando as pernas 

do lado de fora e rindo no final de cada poema 

como um aplauso disfarçado 

Depois de percorrer a minha cidade 

vejo como tudo nela é ainda pequeno 

com o mundo todo à volta disponível 

ao virar da esquina das várias saídas da cidade 

nunca ultrapassadas


Há dentro de mim uma cidade 

que poderá ser minha ou a cidade de todos 

de fugas à realidade 

de encontros amorosos sem felicidade 

de nascimentos difíceis e sem futuro 

de ruas de ciúme que se iluminam de luzes mortiças

de becos onde se recolhem os sexos envelhecidos

de fogo de artifício nos dias de festa

O que na minha cidade me mata ___ lentamente 

é estar dentro de mim uma cidade

que se construiu sem eu ter dado conta.




 





Jovens


Como é belo o encontro entre os jovens 

tocadores de violino 

Como é belo o encontro entre os jovens 

amantes de poesia 

Como é belo o encontro entre os jovens 

que admiram os campos floridos 


Lembrai-vos no entanto 

que embora jovens e

tocadores de violino 

amantes de poesia

admiradores da natureza 

sereis velhos um dia 

e que a morte só poupa 

os que têm nome.