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A semente humana
em busca do céu
germina num oceano branco
e respira.
Sou um poeta em dificuldadesjá não encontro as palavrasjá não encontro as ideiasque vêm escritas nas palavrasacabou a música e o sol baixou de maisos rumores dos outros acordam-medeste esgotamento criativohoje foi o primeiro dia depois do últimoacabou o dia acabou a poesiavou pensar no que farei ao que ficouno teu lugar ficará uma flor.
Morrerei num comboiofarei uma viagem longae deixar-me-ei morrerjunto a desconhecidosnão quero ser reconhecido ___ velhoos meus encontrarãona gaveta da minha mesa de trabalhoa minha face em novo num retratoe mil e quinhentos poemasestarei ausentedurante muitos anosquando eu regressarjá os meus não existirão.
Tenho os pés molhadoshoje foi um dia em que choveu muitotenho frio na cabeçatem-me caído muito cabelotenho dores nas mãoshá uns tempos que tenho os dedos rígidostenho maus pensamentos à noitehá muito tempo que durmo sozinhoum homem feliztem os pés secostem um bonito penteadotem as mãos ágeise partilha o seu sono.
Só faço poesia descalçoquero nos meus poemasa marca dos passos que doucomo se as palavras fossem areiade uma praia prometidaigual à da minha infânciacaminho junto à rebentação do poemaque tenta salvar-se em espumaque o mar há-de levar juntocom a marca dos meus passos.
É vertiginosa a velocidadecom que nos crescem os ossoslogo seremos capazesde descer da nossa camasubir a uma cadeirachegar à prateleira dos docesdepoisé desfolhar um calendáriomanter o equilíbrioe tentardesvendar o mistério da montanhaantes que os ossoscomecem a decrescer.
Entrei na Cafetaria Modernasentei-me para escreverum poema tristeque estava a nascere que começava assimA poesia é o calor do corpomas em vez do poema decidienviar-te um postal com o meucompromissomesmo que partas prometoque tratarei do teu gato
e não lhe direi que partiste.
Na cidadetodos os prédios são iguaise há ameaças todos os diasa cidade é pequena como uma aldeiatodos os homens e mulherestêm nomes começados pela letra Aque se repetem e repetemmas com números tal comoas matrículas de automóveisquando eles existiamna cidade já não há crentesas igrejas estão vazias e muitasforam adaptadas a maternidadesonde os nascituros são registadoscom nomes começados pela letra Amas com números adicionadostal como as matrículas de automóveisquando eles existiamna cidadecada um trabalha e sobrevive
no prédio onde mora
sem necessidade de se deslocarpor isso não há confusão com os nomeseles têm o número do edifícioe do andar onde habitamum dia chegaram à cidadepedestres de uma outra cidadecom nomes começados pela letra Bem tudo iguais aos da cidade Achamavam-se por nomes diferentes
eram fugitivos
e encheram as ruas da cidade.