Foto do autor do texto a partir do documentário Vida Selvagem






Condenados


Há um dia que desde sempre

trago comigo

trago-o na minha carteira da memória 

o dia do grande clarão que 

trago comigo

como dormir de dia 

com os olhos abertos


O dia em que compreendi

como a vida é 

uma situação condenada

onde não há indulto para a pena


E tinha ainda dezasseis anos.






O poema de hoje é dedicado a todos os que me seguem 

nas palavras e nos silêncios







 Foto do autor do texto




Um poeta qualquer que anda por aí 

Um poeta tem um poema na garganta 
o poeta encontrou-se com as suas dúvidas 
o poeta está sozinho com as suas desventuras 
o poeta coleccionou momentos dos dias sem vida 
e agora sente-os a esvairem-se pelos dedos da memória 


mas não são mais do que mais momentos sem vida 
e um poema na garganta 
o poeta é incompreendido na sua desventura 
quando bolça o poema que tinha na garganta 

O poeta é advertido do desconforto 
que oferece a quem o lê e é penalizado
como se fosse um transgressor incómodo 
o poeta não tem escolha a menos que lhe nasça
um pai e uma mãe que o tomem no seu colo 


Um poeta queima ___ então ___ um cigarro 
nos seus lábios inúteis.




 


 Foto de Daniel Filipe Rodrigues




O rio


Ouço o palpitar das águas ___

___ é o rio a murmurar

sempre paciente na sua função 

de veias da terra a escorrerem vida 


não deixarei este lugar 

e ele não me deixará a mim 

são dele os seixos que trago 

um em cada mão para que 

as suas águas não me levem 


quero voltar 

para as águas quentes de onde vim

nas asas de uma andorinha.




 


 Foto do autor do texto a partir do documentário Vida Selvagem




O meu corpo e eu


Já não sei como aguentar 

este corpo e o seu queixume


pergunta-me o meu corpo 

se vale a pena morrer 

ou se a vida é como o mar 

com marés ora cheias ora vazias 

e eu que já pouco valorizo o meu corpo 

mas que acendo todos os dias 

a fogueira do meu espírito 

deixo arder esta pergunta 

neste círculo vazio à minha volta 


ao meu corpo 

com a piedade que tenho por ele 

só lhe posso prometer 

que deixarei de fumar e de beber 

peço-lhe em troca a possibilidade 

de algum entusiasmo 

nos intervalos da nossa solidão.




 



 Foto de Bartolomeu Rodrigues




Como fazer um poema


À vezes

não tenho nada para dizer


já não se agitam as ideias

fogem-me da boca as palavras 

encontro-as amiúde em outras bocas

e noto um desencanto na forma como

sibilantes umas e surdas outras

soam na tentativa de um poema


Recolho tantas bocas

quantas as palavras 

mas em vão ficam silenciosas 


Acredito que não havendo palavras 

se possam fazer poemas

com gestos 

        olhares

     e sorrisos.




 


Foto de Ana Catarina Duarte
 






? 

Em que rua moras

em que cidade

em que país 

em que universo

Em que palavras te revelas

em que cântico 

em que poema

em que lágrimas 

Em que tempo nascerás

em que hora

em que dia

ou em que noite

Ou és apenas uma ideia

um refúgio 

uma ilusão 

uma luz

O amor é uma carência 

dorme comigo hoje.






 


 Fotos do autor do texto





1



Percebo


tudo, 


quando


não 


explicas


eu


sinto. 






2



É 


sempre


a mesma


voz


que eu


não 


esqueço 


das


tuas


visitas. 






3



Contemplo


as fatias


de saber


na minha


estante. 






4



Chamo-te


embora


saiba


que


não 


ouves. 






5



A chuva


limpa-te


da


minha


memória. 






6



O teu


Sol


não é 


o mesmo


que


o meu


Sol. 






7



Deixa


a porta


encostada


eu


vou


voltar.