A visita anual
Quando vos espero
desembaraço-me dos meus afazeres,
ponho a mesa com tudo aquilo de que gostam,
faço as camas com os vossos lençóis de sempre,
faço a barba e visto a melhor roupa.
Depois é querer agarrar o passado
sem que ele nos caiba nas duas mãos.
Calam-se muitas palavras na garganta
mas falamos muito para nos darmos a ideia
de que vivemos ainda na vida uns dos outros.
E quando relembramos aquelas histórias da infância
contadas mais uma vez já com retoques
para serem mais ternas e terem graça
rimo-nos com aqueles curtos risos
que convivem com uma ou outra lágrima.
Ouço as vossas vozes adultas mas agudas
como se fossem as do passado.
Oculto o desejo inconveniente de vos sentar nos meus joelhos
e ao falar no que me falta viver logo o tumulto gerado
cala a seriedade da minha confissão, do meu temor
como se quisessem manter a surpresa da última visita.
Chega o momento dos abraços e dos beijos
os projectos de regresso que todos sabemos
que não sabemos quando
ou talvez um ano depois como de costume.
Fica então o silêncio, ficam as fotografias,
as camas desfeitas, o resto das migalhas sobre a mesa
e um grande vazio que não mais será preenchido.