Estudo para a porta do sacrário da igreja do Loreto em Lisboa
Autor Augusto Rodrigues
Memórias de um artista em fim de obra
Há fragmentos seus dispersos pelas paredes
desse lugar que autorizava que ele se retalhasse.
É ali que ele se vende em pequenos belos
cadáveres que já tiveram espírito, que já tiveram mãos.
É daqueles que já foram jovens,
que pertenceram ao enorme "bando" dos anos sessenta.
Drogou-se com o maravilhoso Português Suave
ou com o carismático Três Vintes
que comprava dose a dose no quiosque do fim da rua
da escola onde fingia que estudava,
foi ali que aprendeu a retalhar-se com arte.
É um sobrevivente das sentenças justas do Mário Castrim
renascido timidamente mais de cinquenta anos depois.
Sempre teve tendência para andar de braço dado
com ninguém e ser amigo ausente de poetas e pintores
de quem guarda memórias inteiras
num sombrio armazém
onde só entram os seus iguais, ou seja, ninguém.
Sente-se uma ilha sem arquipélago,
uma oitava de um velho piano,
um pássaro pousado num quintal da cidade.
Não sorri
porque exige respeito ou
porque já está morto.