tem a nobre missão
de ocupar o mesmo espaço
que nós
na solidão.
Um poeta
Tomo do poeta
o alcance das suas palavras
de uma boca que era uma fisga
certeiras as palavras-pedra
tanto mais belas
quanto mais ousadas
Tomo do poeta
algumas palavras
silêncio
ternura
nobreza
limite
emoção
e a real e crua leitura
das palavras ___ das incómodas
ruína
obsceno
maníaco
verme
sémen
junto-as todas e guardo-as
para evitar a morte da poesia
e do poeta.
Inevitável
Havemos de esquecer
não juntos
cada um esquecerá a sua parte
como sempre fizemos
cada um a viver a sua parte
de tal modo que agora
acreditamos que será possível
Havemos de esquecer
ainda que nos custe a despedida
como se ainda fossemos os mesmos
como se já não tivéssemos
esquecido tanta coisa ___
___ esquecemos até que amar
era a resistência ao esquecimento.
Havemos de esquecer
___ lágrimas só quando estivermos
longe um do outro.
Pensar
O grande mal de pensar
é darmo-nos conta de que pensamos
é dissolver em cada pensamento
o que se sabe
e o que não se sabe
é fundir em cada pensamento
o que é verdade
com o que é mentira.
Somos os obreiros da nossa construção
ora firme ora magoada
ora certeira ora duvidável.
É por isso que oculto de ti
os meus estranhos pensamentos.
Dois mil quilómetros nos separam
Aprecio estes dias de chuva pequena ___
___ tímida
Como eu gostaria de estar agora
na tua casa a dois mil quilómetros
de distância da minha casa
a ver os telhados molhados
porque da tua casa se vê tudo
acho até uma ousadia viveres num lugar
que disputa com os deuses
a visão sobre os outros
Um olhar idêntico, certeiro e alto
que tiveste sobre mim ___
___ eu que vivo num rés-do-chão comum
muito abaixo de todos os telhados
Um caso de amor fulminante
inesperado numa viagem de férias
com a inevitável distância ___
___ os tais dois mil quilómetros
de silêncio ___
___ até à tua visita ao meu rés-do-chão
até à tua pele luminosa que deixou
um pouco de luz sobre a minha cama
até ao último olhar
até à tua partida com chuva pequena
___ tímida
o chão molhado
o reflexo das luzes das casas
um halo de luz vermelha do táxi
a desaparecer na curva ao fim da rua
___ uma momentânea mão de vento
a afastar as folhas de árvore
que havia à minha porta.
Dois mil quilómetros sem fim.
Lautrec
Viva Lautrec!
Enquanto uns dedos boémios
obrigam as teclas dum piano
há alas de mulheres belas
que dão pontapés na tristeza
mostrando o seu encanto
até às rosadas coxas
Lautrec sente ___ e brilha
nos retratos da gritaria compassada
das noites de fumo e absinto
Vivam os homens pequenos
com estatura de gigantes
vivam os cabarés de Paris!