Foto do autor do texto





 
 
Não me interessa 
 
 
Não me interessa o amor
o que me move é 
a voz
o olhar
o calor
as palavras
doces
profundas. 
Não me interessa o amor
porque vejo os teus gestos
inconfessáveis 
aproveitando as trevas
sem respeito pela Primavera. 
Ainda assim abraço-te
mas fico com a certeza
de que o amor convive mal
com o odor a Reumon Gel
que emana dos teus ombros
e se pendura no meu nariz. 
Não me interessa o amor.



 


 Foto de "A melhor coisa DA MINHA VIDA" 



 

 
 
Em Florença 

Deixo vestígios de mim
em cada linha de texto
em cada mancha de cor. 
A ti
marco-te com as palavras
e os gestos como se fosses
uma obra minha
marco-te com as derradeiras
despedidas sempre adiadas
uma e outra e mais outra
desde que me deste a mão 
em Florença um lugar 
onde tudo foi possível. 
Nunca aquelas velhas pedras
assistiram a tal calor
e o mundo passava por nós 
e não se detinha. 
Deixo na tua pele as marcas
da minha pintura
e na tua boca as marcas
do meu beijo agora
apenas em palavras repetindo
Florença 
Florença 
adeus.



 


 Foto do autor do texto


 
 
 
Sou capaz

Sou capaz de amar
sem empenhar os sentimentos. 
     Assim como virar uma folha 
     sem molhar o dedo. 
     Assim como rolar um cigarro
     nos lábios sem o acender. 
     Assim como saborear um bolo
     esquecido do açúcar. 
     Assim como cantar uma canção 
     desconhecida à capela
Assim como amar
sem empenhar os sentimentos
sou capaz.
 

 


 Foto do autor do texto


 
 
 

 

Quando a morte é real

A morte nunca é real

enquanto os nossos olhos 

não escurecerem

enquanto um traço de luz

não fender a nossa materialidade. 

A morte nunca é real

enquanto o branco da pele

não for o mais branco que se viu

sem retorno

e no ar não houver o cheiro

que só os mortos têm 

um misto de lágrimas e de flores. 

A morte só é real

diante da impossibilidade

de certas palavras serem ditas.



 


 Foto de Daniel Filipe Rodrigues


 
 
 

Tristeza o que é? 
 
Perguntas-me o que é a tristeza
meu filho ___ homem
tão homem que me sinto velho. 
 
A tristeza
é a biqueira romba do sapato 
de um pobre
     a tristeza
     são as pétalas de uma rosa
     que chegou ao fim
a tristeza
é uma chávena de café 
onde ficaram os lábios 
que nos abandonaram
     a tristeza 
     é a mentira que nos dizem
     para não ficarmos tristes
a tristeza
é acordar no pesadelo
e não ouvir a voz que nos acalma. 
 
Mas
meu filho ___ homem
tão homem que me sinto velho
ainda assim te digo
a tristeza vai reconhecer-te
e cruzar-se-á com a tua inocência.



 


 Foto do autor do texto sobre tela de autor desconhecido


 
 
 
 
 
 
Consegui várias coisas

Consegui encontrar os 

sapatos molhados que um dia 

deixei à tua porta. 

Consegui recuperar o  

dermatóglifo do meu 

apreciado dedo másculo. 

Consegui convencer-me de que 

a solidão também é uma forma 

de nos sentirmos vivos. 

Consegui lembrar-me que já fui 

o dia da tua noite 

os teus passos  

a tua chuva 

e que tu

foste o meu passado. 


Afinal o que aprendi? 


Consegui perceber que 

os bons alunos se tornam insolentes

com os seus mestres. 

Consegui vencer o dia de hoje 

e fazer das nossas palavras um museu.



 


 Foto do autor do texto


 
 
 
 
Antes

É inútil aprimorar a caligrafia

é inútil escrever com as vírgulas certas

guardo estes papéis no fundo da gaveta

nunca chegarão ao destino. 

E as fotos aqui estão ainda

fiz delas um quebra-cabeças

     quem com quem

     onde e quando? 

Tudo como na memória 

em delírio ___ 

                 esquecido ___

                                   e em retalhos

já que ficamos na dúvida 

por que um dia dissemos certas coisas. 

     

     E como éramos bonitos

     porque ficámos assim?