só torna venenosa a vida do invejoso.
Para me perpetuar em ti
Armo-te ciladas sentimentais
chego tarde para que me desejes mais
cerco-te com o olhar para te seduzir
simulo que adormeço para julgares
que a noite acabou
pinto um vermelho de batom na camisa
para avaliar o teu ciúme
finjo-me morto para me impressionar
com a tua aflição
depois concebo um filho no teu lugar fecundo
para me perpetuar em ti.
Antes de partir
No lugar mais vazio das minhas entranhas
acomodei uma certa ambiguidade
das promessas que me fizeram
por ser aí também o lugar
mais vazio da minha consciência
ficou-me um estranho e angustiante
prazer no desencontro com o previsível ___
___ com as feridas ainda intactas
finda a peleja da dúvida sobre a dúvida
percorro o campo de batalha
colhendo os despojos
antes de partir cerco-te com o olhar.
O meu desejo
O teu corpo é a terra
onde lavro o meu desejo
por todas as mulheres do mundo
assim tu compreendas quando
chego exuberante e sem recusas
antes do sono comum
amo em ti
todas as mulheres do mundo
assim tu queiras ser
todas as mulheres do mundo
e compreendas este adeus
que dura apenas um dia
o meu desejo tem fim
a minha ansiedade acabou
tens ainda o mesmo nome
conheces a minha nudez
por isso continuo a amar em ti
todas as mulheres do mundo.
Perdoa a minha incompetência
Sento-me à mesa de um café
e escrevo-te uma carta para me justificar
Por justiça obrigo-me a dizer-te
sou o exilado voluntário
sou a sentinela sem turno fixo
sou o que emudece por conveniência
sou o encarcerado por loucura
sou a voz persistente na noite tempestuosa
sou a cerejeira carregada para teu prazer da colheita
sou o bandoneon de Piazzolla
pedes-me ainda que seja
a Muralha da China
o Arco do Triunfo
os canais de Veneza
venho então confessar-te não ter competência
encerro por isso a minha carta pedindo perdão.
e fico-me por um chá bem quente
e uma torrada com pouca manteiga.
O fragmento de deus
Deixaram à minha porta um fragmento de deus
não sei o que fazer com esta dízima
já que nem a um deus inteiro tenho direito
cardeais
bispos
e argentários
tomarão os paramentos debruados a ouro
levando pela mão as irmãs da caridade
desfilarão por entre nós os de joelhos
que rezam e mastigam o fragmento
mais duro do corpo de deus
que deixaram à nossa porta
uma voz diz
assim seja
e salpicam-nos a cara com gotas de água benta.
Aceito
Aceito
a remota possibilidade do amor
a promessa distante de um beijo
as roupas que ficaram dos invernos passados
os silêncios que finjo não perceber
um nome que não é o meu
o som das unhas a raspar na dor
os terrores nocturnos
a morte das sensações
preciso apenas
de um colo suave
onde descansar o corpo.