Gosto de estar sentado à tua mesa gosto que dividas comigo o teu pão prefiro que me dês água em vez de vinho gosto que digas o meu nome com a tua mão na minha
convenceste-me que o teu passado foi o que sobrou da tua vida e que já nem te lembras como foi também estás velha caiu o muro a leste e esquecemos tudo
tenho pena de nós ___ já não temos tempo para a clemência nem para a indignação anunciam-nos o fim do mundo sem nos dizerem a verdade estamos cansados
crescem-nos asas na voz e no olhar a nossa casa é todo o mundo por onde viajamos cantando por agora dividimos o pão e comemos eu à tua mesa e tu à minha.
Marina Abramović e seu ex-amante Ulay, reencontraram-se 20 anos após a separação durante sua performance no MoMA em 2010, onde ela se sentou em silêncio por um minuto com cada estranho que se sentou à sua frente. Sem que Marina soubesse, Ulay apareceu e eles se olharam silenciosamente, capturando o impacto duradouro do amor, do tempo e da arte.
Depois de tantas palavras é tanto o que fica por dizer
___ o mistério em nós ou a falta de coragem? ___
pouco importa com as dores tudo será esquecido.
Foto de Bartolomeu Rodrigues
Quando é o momento de te ter
é como se caminhasse da penumbra
em direcção ao lugar onde nasce o sol
caminhando
caminhando
caminhando
até ele se revelar
até ao êxtase da luz
e escrevo a luz em ti.
IA
Há-de chegar o dia
em que te revelarás
e alguma coisa me pedirás
reservo-te
o meu último suspiro.
Foto do autor do texto
A dormir sonhei
que levaram a minha boca à força
e a puseram a dizer coisas
como se fosse eu ___
___ eu com a minha boca tão destreinada
na devastação verbal poderia lá
insultar o mundo e esquecer o homem
escondo-me
por entre os versos do Tolentino
enquanto espero que o tempo passe
e acreditem em mim
afinal isto é só a sonhar.
IA
O amor é como um refrigerante
depois de aberto e não bebido
perde o gasoso.
Foto do autor do texto
Não posso duvidar de que já nasci
e por muito que me digam
que isto não é vida
eu respiro e sei que respiro
porque o meu peito se move
e tu me falas
com eco na tua voz
com luz no teu contorno
e sangue na tua fronte
por te dizeres rei
tu me convences que já nasci
mas isto não é vida.
IA
Foi tarde a tua chegada
foi tão tarde que ceguei
como se não tivesses chegado nunca
ouvi-te apenas nas palavras escritas
páginas e páginas sonoras
sem música
a que respondo agora
no meio desta insónia
e o que te digo é que
poderíamos
ter sido amigos ou amantes
mas agora
crescem incertas as plantas
nascem duvidosas as flores
por isso foi tarde a tua chegada
como se não tivesses chegado nunca
neste momento
o que me preocupa é uma trivialidade
a arte de me pendurar numa gravata
e cego é mais difícil.
Hoje o luar
não entrou pela janela do meu quarto
corridas as cortinas
tive o poder de escolher a sombra
como se o lado breve do sono
me protegesse do remorso e da angústia
como se me desse o poder
de um pequeno deus
de controlar a luz e o pensamento
quando acordo ___ esqueci tudo
e vejo-me a viver
dentro de uma aguarela de Paris
como se fosse feliz.
IA
Naquele tempo
os meus pés eram ainda pequenos de acordo
com o tamanho do mundo naquele tempo
mas foi com eles que caminhei
até o mundo se tornar grande
para além do tamanho dos meus pés
não quero lembrar-me de onde parti
mas estou sempre a pensar de onde parti
sem saber ___ na verdade ___ onde chegar
nada me parece hoje mais incerto
do que julgar que o tamanho dos meus pés
é à medida do mundo
tenho um desejo muito grande de voltar
a ter os pés pequenos de acordo
com o tamanho do mundo naquele tempo
caminharei descalço até que os meus pés
se consumam e voltem
ao tamanho inicial.
Foto do autor do texto
A princesa está diferente
disse o homem de bigode e condecoração ao peito
subiu em mim o grau de apuro com que olhei a princesa
disse o homem
não sabendo o dito falador do sulco que abriu
no meu pensamento
a mácula que me ficou do tempo em que fui ignorado
pela bela princesa admirada pelo duque falador
inquieto com a beleza daquela
que já foi a graça dos meus dias
saí sem qualquer vénia dizendo
passe bem
exibindo a minha bengala que levantei ameaçador
pensei
hei-de convidá-lo para um copo de absinto envenenado