Qualquer dia de sol é bom para morrer
porque a chuva deprime e torna a morte triste.
Importante é que o dia que se segue
seja também de sol
para que à cerimónia todos possam estar presentes.
O dia que será o último
será o da luz mais brilhante
que o sol de qualquer outro dia 
e isso será o aviso para o que vem 
porque o que vier 
te será destinado irremediavelmente
sem equívocos.
Deve desejar-se que tudo aconteça no momento certo
é melhor que seja agora
quando ainda fazes falta a alguém
do que quando todos te fizerem falta a ti.
Nos momentos seguintes,
que poderão ser dias
quase todos falarão de ti,
os que te quiseram de verdade
e os que te suportaram com mentira.
Uns recordar-te-ão com saudade 
quando lhes vieres à memória,
outros depressa te esquecerão
depois de te matarem mais umas quantas vezes
falando baixo com os que não te conheceram.
E serás lembrado 
enquanto não descer sobre o que foste
um nevoeiro que começará ténue 
e se tornará denso até desapareceres.
E serás lembrado 
enquanto viverem os que viveram na tua vida.
Depois,
aos poucos irás morrendo de novo.
Muito tempo depois
para os que nunca te viram perderás o nome 
e serás 
“o teu bisavô”, “o teu trisavô”
até não seres mais do que um rectângulo
numa árvore genealógica num trabalho escolar.


Nesse qualquer dia que será bom para morrer
pede que te fechem os olhos
para que a luz do sol não te encandeie
e o clarão do fogo não te cegue.



2 comentários:

  1. Gostei muito muito!
    O tema da morte é um tema recorrente em muitos poetas, um tema que aflige muitos poetas.
    O que mais o aflige é a morte, o esquecimento...? Ou é o ficar só, a possibilidade de ser "deitado fora"!?

    Já agora outra pergunta de mera retórica: porque é que todos vêm nuvens nos seus desenhos... e eu vejo sempre árvores e vida?

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    1. Obrigado pelo tempo que me dedica. Cada leitor interpreta os textos e as imagens de forma diferente.
      Agradeço o seu comentário.

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