Na Nazaré a minha mãe vestida de preto chora na praia


Nem todos têm uma mãe vestida de preto a chorar na praia. 

A minha mãe vestida de preto porque o meu pai

voltou sete dias depois numa dança estranha com as ondas

vestido de algas e muito maior do que quando partiu. 

A minha mãe a chorar na praia porque o meu irmão 

não voltou ainda ao sétimo dia e há cheiro a mar e a lágrimas. 

As outras mulheres vestidas de preto que também choram

dizem que ele fugiu com uma sereia, como os outros. 

Na praia até os peixes espalmados choram e secam a chorar. 

Percebi que a certeza da morte vinha do mar aos pedacinhos

e naquele deserto frio ninguém casava com sereias

porque já eram prisioneiros de redes que ninguém via. 

Nem todos têm uma mãe vestida de preto a chorar na praia

há infâncias diferentes por isso nunca irei para o mar

recuso-me a casar com uma sereia ou a dançar com as ondas. 

Tenho o resto do barco azul do meu irmão sobre a porta 

do meu quarto para me lembrar do cheiro a mar e a lágrimas. 




 

18 comentários:

  1. Uma estranha dança entrelaçante entre a escrita e o desenho
    Gostei

    ResponderEliminar
  2. A morte na visão do POETA.
    Ontem e hoje.
    É já tarde!
    Uma reflexão sobre a morte não é tarefa das mais simples.

    MULHER e PEIXE VOADOR é uma boa alternativa.

    ResponderEliminar
  3. Um texto poético numa homenagem às mulheres que o mar faz viúvas e os filhos orfãos.
    Muito interessante esta forma de abordagem de temas pungentes.

    Na aguarela, a Mulher ser loura tem alguma intenção especial?
    Gostei da cor vistosa das asas/guelras do peixe-voador...

    Noite sem tempestades nem pesadelos, só sonhos bons!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pelo comentário. O louro foi casual.
      Desejos também de uma noite serena e reparadora.

      Eliminar
  4. Impressionada com as metáforas tão bem construídas e poéticas.
    Também impressionada fiquei quando na Nazaré vi mulheres com seus 'peixes espalmados'
    em meio aos ventos dançantes. E ali, senti não sei bem se lágrimas ou respingos de chuva,
    _ aquela mulher certamente aquela noite levaria de volta seus peixes secos.
    Obrigada pela grandiosidade da escrita, sempre sempre!
    A aquarela, eu também admirei!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. As suas palavras são um elogio que agradeço. Fico grato pela sua visita.
      Bom Dia.

      Eliminar
  5. Olá!

    Gostei bastante do seu poema.

    Bom fim-de-semana!

    ResponderEliminar
  6. . Intenso, profundo, pura emoção. De facto quem parte para o mar, ainda que não se quira, fica-se sempre com aquela sensação de que pode não se voltar. O Mar é tão lindo como perigoso e, regra geral, mortal. E existem tantas mães e tantas esposas, namoradas, família, vestidos de negro nas praias de todo o mundo. A Nazaré não é a exceção.
    .
    Cumprimentos poéticos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigado pela sua indispensável visita. Agradeço as suas palavras.
      Bom Dia.

      Eliminar
  7. Poema intensíssimo e muito provavelmente não auto-biográfico, já que, ontem, o seu pai jazia na cama "combinando tudo com a morte" em vez de chegar "vestido de algas e muito maior do que quando partiu". É grande o contraste com a leveza do desenho, belíssimo , suavemente colorido, emoldurado por um ovo.

    Forte abraço, L.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O seu comentário denota a sua afinada atenção e percepção da variedade do que se escreve. De facto nada tem de autobiográfico.
      Muito Obrigado pelo comentário que já não dispenso.
      Um abraço.

      Eliminar
  8. Es muy duro trabajar en el mar.

    Yo no conozco nada más que la forma agradable de él, por eso me fascina ir a pasear por su orilla y busco la forma de poder visitarlo de cuando en cuando...yo resido en una ciudad de interior.

    Besos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estoy de acuerdo con la belleza del mar, es un lugar para la contemplación.
      Gracias por su visita
      Un abrazo

      Eliminar
  9. Uma homenagem aos pescadores.
    À sua bravura contra quem lhe dá o pão de cada dia.
    E choram muitas mulher não só na Na zaré mas também noutros locais pelas mesmas razoes.
    Um poema sensivel e que embora muito triste, foi um dos melhores que já li por aqui.
    Beijinhos
    :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Os seus comentários são sempre tão elogiosos. Só tenho a agradecer-lhe a benevolência.
      Um abraço

      Eliminar