Ao meio-dia 


Sou um homem que diz palavras

mas em muitas palavras que digo

não acredito nem um pouco.

Nas que digo com convicção 

navego no caos das ideias 

como convém no tempo 

do cataclismo anunciado. 

Sou um homem que diz palavras 

e as palavras que penso e digo 

fazem crescer a vertigem 

da contínua e ilusória 

domesticação do tempo 

digo lírio

digo luz

digo pele

digo pânico 

digo maré 

digo mel

digo tédio 

digo triste

digo fogo

digo febre

-------------

digo noite. 


Ao meio-dia desperto com a dúvida

sobre a palavra seguinte 

à meia-noite deito-me com ela 

numa sucessão perpétua de mais palavras

nesta insónia 

insólita, 

absurda, 

decadente

encho sacos de seixos e de ideias.



 

29 comentários:

  1. A meio da noite digo simplesmente que aguarela é maravilhosa.

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  2. hay palabras de tristeza y desesperación y hay palabras de esperanza y de sentimientos...en una noche de insomnio todo puede ocurrir.

    Besos

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    1. Hay noches de insomnio que propician la revisión involuntaria de momentos de nuestra vida. Un abrazo.

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  3. O homem que aqui se descreve como um 'diseur' de palavras fingidas e de muitas outras em que acredita convictamente,
    é um homem que nunca chegamos a conhecer bem, porque jamais se dá a conhecer.
    Creio que é nessa singular particularidade que reside o seu peculiar fascínio.

    A invulgar e belíssima Aguarela-Vitral (fica desde já assim por mim baptizada) só é comparável, em beleza e deslumbramento, às três Luas que se podem ver das três janelas de sua casa: a Lua Amarela, a Lua Vermelha e a Lua Azul... :)

    Bom Dia!

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    1. O início do seu comentário mostra como, verdadeiramente, nós somos aquilo que os outros pensam de nós e que vinga, mesmo, sobre o que pensamos de nós próprios.
      Interessante que se lembre das Luas e as classifique de igual modo sendo tão diferentes. O título está muito bem achado.
      Bom Dia!

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  4. Discordo.
    Só somos o que os outros pensam de nós se quisermos
    A isso chama se personalidade

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    1. A personalidade que julgamos ter nem sempre é a imagem que os outros têm de nós, julgo mesmo que esta constatação não carece de concordância ou discordância é um facto aceite por quem estuda estes assuntos.

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  5. Lamento discordar mas julgo que se está a misturar "personalidade" com "avaliação feita por outrem".
    São coisas distintas.

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    1. Tem toda a razão. A sua observação põe o assunto no sítio certo.
      Muito Obrigado.

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  6. Palavras, palavras lembra-me uma cançao paroles paroles, da Dalida e Alain Delon, salvo erro.
    mas estas palavras levam-nos também a outros trilhos e como sempre bastante criativos, assim achei o poema, que faz um suporte fantástico com a excelente aguarela.
    Bom fim de semana.
    Caro Poeta deixo um abraço sem palavras
    ;)

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  7. Voltei e reli tudo.
    Detive, demoradamente, a minha atenção nas palavras que o autor diz e pensa, que são coisas tão diferentes como diferentes são a real personalidade de alguém e a avalição que possa ser feita desse alguém, mediante aquilo que a pessoa vai deixando de si transparecer.
    Assim, cheguei à conclusão, relativamente ao texto - já que quanto à imagem não arredo pé, - de que na 'domesticação' das palavras é assim:

    Quem diz Lírio, diz Luz: Olhai os lírios do campo, eles não trabalham nem fiam, no entanto, nem Salomão em toda a sua glória, se vestiu como um deles.
    Quem diz Pele, diz Pânico: Será que ao tocar a pele de alguém, que não Ela, não ficarei tão preso ao passado que o pânico me deixará paralisado?
    Quem diz Maré, diz Mel: Ah...como anseio por novos dias em que, deitado na areia, numa maré vasante, eu re)descobrir o mel que há numa boca de (outra)mulher
    Quem diz Tédio, diz Triste: O tédio destes meus longos dias, fazem com que o meu sorriso (adiado) seja infinitamente triste.
    Quem diz Fogo, diz Febre: Querida, o fogo da nossa paixão foi extinto, mas...a minha febre continua...

    Agora, resta-me esta Noite imensa em que espero, em insónia permanente, pelo meio- dia, em que despertarei envolto na mesma dúvida doentia...
    ...encho o meu saco com novas ideias, ou de seixos polidos, quais pedras preciosas cobertos de finas areias?

    Sorry...
    Vou tomar um ☕ . Acompanha-me?

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    1. Só posso agradecer a atenção com que lê e observa as minhas publicações. Diria mesmo, que o que diz, ultrapassa o mero comentário, é um estudo aprofundado das minhas palavras, apresentando curiosas explicações para o que está escrito. Gostei da relação que estabeleceu com as palavras.
      Aproveite o seu café.

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    2. Caro, Luís Rodrigues, eu não sou uma mera comentadora. Em cada visita que faço a um espaço criado por outrém, deixo um pouco de mim, numa retribuição àquilo que o autor de si lá deixou. Isso de passar a correr e dizer: gostei, é bonito, e na maioria das vees nem sequer leram ou viram os vídeos que publicamos, não é comigo.

      Houve um bloguer que, antes de si e há muitos anos, disse para uma outra conceituada bloguer: " A Janita vai muito além do simples comentário". Na altura, achei aquilo como uma crítica negativa e, provavelmente, nem seria.
      Agora, aquilo que me diz, até me soa a elogio...

      Agradeço, mas vou dar por encerrada esta minha ocupação de um tempo de férias sem ir de férias...
      Nos próximos dias darei tempo de antena - por aqui - a outras e melhores vozes.
      Continuarei a ler, claro.

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    3. O meu comentário ao seu comentário foi com um sentido positivo, reconhecido pela atenção prestada às publicações.
      Aguardo o seu regresso de férias.

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  8. Já passei por uma fase assim
    Também era um homem que dizia palavras
    e as palavras que pensava e dizia
    faziam crescer a vertigem
    a contínua e ilusória
    domesticação do tempo
    Dizia todas essas
    que dizes
    ser teu dizer
    numa sucessão perpétua de mais palavras
    nessa insónia
    insólita,
    absurda,
    decadente

    Até que se deu o clique
    Precisava de juntar às palavras gestos
    Peguei no saco de seixos
    e construí a estrada por onde agora caminho
    Peguei no saco de ideias
    e delas fiz as bandeiras que agora ergo



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    1. Quer isso dizer que, antes de mim, já esse caminho tinha sido descoberto. Há sempre alguém antes de nós.

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    2. Ah...o que eu invejo essa sua fleuma britânica. 👍

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    3. Cuidado, sejamos rigorosos. Eu não referi descobrir caminhos, mas construí-los... Se os construíste (ou ajudaste na construção) aceita as minhas públicas desculpas!

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    4. Mal ou bem, mais ou menos valiosos, todos construímos caminhos ao longo da nossa vida. Não há lugar a pedido de desculpas, o diálogo faz parte da construção do caminho.

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  9. Adorei a tela. O poema li e reli e não me atrevo a comentar porque mão quieta não escreve asneira.
    Abraço, saúde e bom domingo

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    1. Achei muita piada ao seu comentário. Obrigado por ter gostado da imagem.
      Saúde, um abraço.

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  10. Gosto de vir ver suas aquarelas, sempre distintas
    _ tenho a honra de ter uma comigo.
    Obrigada sempre .
    Quanto as palavras com elas que comunicamos e são tão fortes, tão amplas e tão profundas
    e os poetas com suas 'licenças-poéticas' usa-as da forma que os inspiram rs
    _não me atrevo a traduzir ao pé da letra os poetas. rs
    Meu abraço e muito bom as falas dos amigos que sempre acrescenta mais valor a postagem.
    Bom domingo L

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    1. Agradeço o seu simpático comentário e o valor que atribui às minhas aguarelas. Estou muito de acordo que os comentadores enriquecem as publicações e este espaço onde se estabelece diálogo.
      Bom domingo, um abraço.

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  11. Belíssimo poema, Luis!
    Sem mais palavras: adorei!
    Das aguarelas... eu gosto sempre!
    Beijo.

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