E fico por aqui


Eu nunca tomei um café de ocasião com ninguém 

eu nunca comi à mesa com ninguém 

                              [que quisesse negociar comigo

eu nunca fiz visitas a alguém só para não ser esquecido

eu nunca senti a pele de ninguém como se vestisse

                              [o corpo do outro

mas eu já passei os meus lábios por outros lábios frios


e fico por aqui

não posso fazer mais nada do que ser poeta

por isso ontem suicidei-me como um verdadeiro poeta

foi fácil ___ apenas deixei de respirar

aprendi com o meu pai que se suicidou três vezes

antes de morrer às mãos de uma doença humilhante


já vi a Gioconda

já vi a Vénus de Milo

já vi a Vitória de Samotrácia

já vi a fonte de Duchamp

já vi a Guernica


e fico por aqui

porque dia sim dia não 

tudo se prepara em nós para a derrota.









 

22 comentários:

  1. Eu nunca me ficaria por aqui
    Não sendo poeta, faço poemas
    e, por isso
    acho que te entendi

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  2. Todos passamos por fases menos boas onde o desalento dói, mas tu que és poeta acredito que não desistirás de o ser!
    Beijos e um bom dia

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    1. Dias que nascem de outros dias, noites que nascem de outras noites. A poesia também dá voz ao desalento.
      Um abraço.

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  3. Não fique por aqui, ainda é cedo.
    Ganhe alento e siga a caminhada.
    Aproveite o dia em que diz Não à derrota
    A estrada ainda não terminou
    Ganhe força
    E prossiga a sua escalada.

    Se olhar para trás, verá que muitos lhe seguem as pisadas...

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  4. Bom dia
    Penso que foi só mais um grande momento de inspiração poética , do que a poesia a si diga respeito.

    JR

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    1. O meu Caro Joaquim percebe nas minhas palavras aquilo que pode haver de ficcional no que se escreve, penso que o aliciante para a leitura é o enigma, afinal, nada de novo, Pessoa disse "o poeta é um fingidor" e todo esse poema que ele escreveu é brilhante na sua verdade.
      Um abraço

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  5. Teresa Palmira Hoffbauer22 de setembro de 2023 às 10:40

    Numa sociedade orientada pela lógica capitalista, cujo discurso se caracteriza por um imperativo de gozo e de satisfação, em que não há lugar para a tristeza, para a falha, ou mesmo para a dor. O suicídio se configura como uma saída para se livrar da angústia. A angústia que não engana, visto que é real e experimentada no corpo dos poetas.

    Ao ler o poema recordei Heinrich von Kleist e o seu suicídio — O amor. A esperança. Tudo se foi.

    No próximo mês de maio, quero me suicidar nas Cataratas do Niágara, mas antes, vejo pela última vez o urinol de Marcel Duchamp.

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    1. Compreendo e concordo com o primeiro período do seu comentário.

      Também compreendo o segundo período e constato como, afinal, os sentimentos e a forma dos os sentir eram então semelhantes aos dias de hoje o que determinou o fim trágico do escritor que citou mas, ainda aí, teve alguém solidário consigo na tragédia.
      Quanto ao terceiro período, não me parece muito glorioso um suicídio num lugar onde, decerto, é totalmente anónima.
      A peça de Duchamp já não é um urinol mas sim uma fonte.

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    2. Teresa Palmira Hoffbauer22 de setembro de 2023 às 11:33

      Tenciono visitar Nova Iorque e as Cataratas do Niágara no próximo mês de maio‼️

      Marcel Duchamp escolheu o URINOL justamente por sua falta de estética. A obra tem vários significados ocultos. Para ele, tinha um carácter erótico e a inversão física do objecto tinha conotações sexuais. Foi um choque de alta intensidade e numa força tão grande que provoca discussões calorosas até aos dias actuais.

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    3. Nessa visita que vai fazer, aconselho cuidado, está na história das Cataratas o desvario de pessoas que se lançaram dentro de barricas para ver o efeito, outras se lançaram por outros motivos e ficam lá cerca de 40
      por ano.
      A utilização dessa peça por Duchamp é um marco na História da Arte e dos seus conceitos... discutíveis, claro.

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  6. Sim, a poesia também expressa o desalento, evoca suicídios, convoca trovoadas, raios e coriscos... Tudo o que é humano cabe dentro de um poema. Além do mais, todos sabemos que a poesia também reflecte a realidade sociopolítica do país dos autores e do mundo inteiro. ..
    Tivesse eu as asas da Vitória de Samotrácia e talvez me atrevesse a sobrevoar as cataratas do Niágara sentada no urinol de Duchamp...

    Forte abraço, L.!

    PS- Não vejo o meu comentário na sua publicação de ontem... Era uma tonteira que falava de líquenes. Será que não carreguei no botão "publicar"?

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    1. Achei muita graça à conclusão do seu comentário. Eu diria, na poesia cabe tudo desde que com um tratamento harmonioso.

      O seu comentário à publicação anterior não chegou cá, nem por mail. Terá a amabilidade de repetir?

      Um obrigado e um abraço.

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  7. Já não me recordo do que disse sobre o seu poema, só me recordo de ter ficado deslumbrada com os líquenes da parede e de ter falado neles... Ah, e creio ter dito que o silêncio dialoga connosco de forma muito diferente. Sou o tipo de poeta que nunca consegue decorar poemas. Nem dos meus me recordo por inteiro imediatamente após tê-los escrito :(
    Desculpe-me e outro abraço!

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    1. Obrigado, aqui fica o seu comentário, tão válido como o de ontem.
      Também eu nunca decorei nada do que escrevi por isso imprimo tudo para o caso de perder os ficheiros.
      Outro abraço então.

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  8. " R y k @ r d o " deixou um novo comentário na mensagem "":

    Poema encantador que muito gostei de ler. Parabéns.
    .
    Um domingo feliz.

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    1. Obrigado Ric@rdo, agradeço os votos antecipados de felicidade para domingo.
      Um abraço.

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    2. Penso que chego um pouco tarde. Acho que já tudo foi
      dito. Fico-me pelas obras de arte que refere, que marcaram
      épocas ou pensamentos. Desde a Antiguidade Clássica,
      passando pelo Renascimento, pelo ano 1917 (Rev.Russa)
      com a Fonte de Duchamp (havendo polémica se será dele)
      e por Guernica e tudo o que Picasso quis nele retratar.
      Quanto ao tema do suicídio, citou Pessoa, e penso que,
      na realidade, O Poeta finge a dor que deveras sente.
      Bem, "Fico por aqui".
      Um abraço
      Olinda

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    3. Ilustre o seu comentário, não chegou tarde, de maneira nenhuma. Agradeço a atenção com que lê as minhas publicações. São os comentários de todos os meus leitores que fazem o interesse deste lugar.
      Obrigado, um abraço.

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  9. Caro Poeta/Pintor
    confesso que este poema deixou-me a pensar.
    é contraditório mas talvez seja só para mim.
    o Poeta consegue escrever nas entrelinhas para que se faça luz, no seu pensar.
    penso que cheguei lá, mas li-o mais que uma vez.
    boa semana.
    :)

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    1. É muito importante para mim que os meus leitores tenham a reacção que descreveu. Escrevo e publico quase sempre, algo que desperte a reflexão do leitor. O seu comentário é muito agradável para mim.
      Um abraço.

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