Foto de Ana Luís Rodrigues



As despedidas 


Comecemos as despedidas

nas malas não levaremos mais do que 

   vultos impudicos desnudados

   uma pedra de cada cidade visitada

   o odor de um cais abandonado

   os troféus invisíveis das nossas aventuras 

   os suspiros coloridos dos que amámos

   mas também 

   a mágoa dos que não gostaram de nós


ficarão as fotos de como fomos felizes

no tempo em que todos neste lugar

éramos crianças 

partiremos no dia em que começarem 

a cair as folhas de Outono

e nessa liturgia de decompor o tempo

renasceremos num lugar quase novo

e na parede teremos um novo calendário 

em que nenhum dia terá início 

e em que nenhuma noite terá fim.

 


 

8 comentários:

  1. Teresa Palmira Hoffbauer17 de outubro de 2023 às 14:54

    O poeta diz adeus com todos os sentidos.
    Uma perspectiva curiosa tanto do poema como da fotografia.

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  2. Boa tarde Luís,
    Um poema belo e muito profundo.
    Construção e inspiração perfeitas.
    Beijinhos,
    Ailime

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    1. Dias em que "a coisa" corre melhor no que diz respeito à escrita.
      Um abraço.

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  3. Um rol de situações bastante plausíveis, ou seja,
    que podem acontecer a qualquer um de nós.
    Os dois últimos versos é que nos põem a pensar:
    e gosto desse "absurdo" que o acomete ao finalizar
    muitos dos seus poemas.
    Um abraço
    Olinda

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    1. Esse absurdo para finalizar os meus textos é uma "pincelada" a que não resisto.
      Um abraço.

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  4. não gosto de despedidas nem da palavra Adeus,
    é curioso, como este poema me lembrou de um do Poeta José Gomes Ferreira.
    sem querer ser indelicada aqui deixo.


    Devia morrer-se de outra maneira.
    Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
    Ou em nuvens.
    Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
    a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
    os amigos mais íntimos com um cartão de convite
    para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
    a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
    às 9 horas. Traje de passeio".
    E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
    escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
    a despedida.
    Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
    "Adeus! Adeus!"
    E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
    numa lassidão de arrancar raízes...
    (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
    a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
    em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
    como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
    ainda tocada por um vento de lábios azuis...

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    1. É, de facto, um grande poema... de um grande poeta. Agradeço a gentileza de o ter reproduzido.
      Um abraço.

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