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Voltei mas vou partir


Voltei ao antigo restaurante da cidade

aquele em que jantávamos há trinta anos

nesses jantares bebias-me

em pequenos tragos consentidos 

partilhava contigo o meu sangue

sempre acreditando na renovação da vida

nunca usei a palavra amor

por ter um significado demasiado vago

preferia dizer 

que pulsávamos nas veias um do outro

ou que víamos pelos mesmos olhos


nessas noites em que aceitavas ficar comigo

rasgávamos os nossos desencontros

nestes encontros em que não nos reconheciamos

tal a paisagem exótica que exibiamos

um para o outro em imagens e sons

até o sol dessa noite se extinguir ___

___ depois lia-te poemas até adormeceres


de manhã voltávamos a ser dois amigos

até novo jantar no antigo restaurante da cidade

em que te oferecia o meu sangue renovado ___

___ um dia foi fatal o nosso desencontro 

não mais sangue naquela mesa

não mais poemas na nossa cama


Nunca mais deixei de jantar

no antigo restaurante da cidade 

nos nossos dias habituais 

trinta anos depois vou partir

deixo num sobrescrito este poema

pedindo que te seja entregue

se por acaso voltares um dia

deixo-te ainda o meu chapéu.



 

20 comentários:

  1. Achei tanta piada ao chapéu [peça de museu] que não consigo me concentrar na análise do poema.

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  2. Bonito e intenso, li e voltei a ler. Cativou-me, parabéns!
    Beijinhos

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    1. O seu comentário deixa o autor satisfeito.
      Muito Obrigado.
      Um abraço.

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  3. Boa tarde Luís,
    Tão belo este poema e tão comovente, que fico sem palavras.
    Gostei muito!
    Beijinhos e continuação de boa semana.
    Emília

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    1. Memórias que se esfumam, chegam a um ponto que se tornam ficcionais.
      Boa semana.
      Um abraço.

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  4. Os encontros e os desencontros em memórias que se tornam apenas em fumo...
    Gostei muito...
    Beijos e abraços
    Marta

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  5. Dessas lembranças que esvoaçam sempre que bate uma leve nostalgia.
    Que bom quando as temos !!
    Grande abraço, L

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  6. Teresa Palmira Hoffbauer23 de janeiro de 2024 às 17:51

    O poeta tem razão quando diz que „ A poesia não é, propriamente, o lugar do real e da coerência.“
    Assim, compreendi o chapéu pomposo, que nem o meu avô materno monárquico, gostaria de o usar.
    Ou seria lá, que Marcel Proust escondia as suas „madeleines“?!

    As memórias de um poeta, mesmo incoerentes, têm magia.

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    1. Não sei se Proust chegou a usar um chapéu assim, o seu serviço militar foi curto, talvez por brincadeira tenha usado um chapéu parecido do seu amigo Robert de Saint-Loup.
      Tudo o que ocorre rompendo com a realidade, tem uma certa magia.

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  7. "preferia dizer
    que pulsávamos nas veias um do outro
    ou que víamos pelos mesmos olhos"

    Que bela definição de amor...

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  8. Los recuerdos, son mejor analizados, si son revisados después de un largo tiempo.
    No es lo misma la percepción de lo ocurrido, recientemente pasados a después de bastantes años ocurridos.
    Un abrazo.

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    1. Los recuerdos iniciales, con el tiempo, se convierten en historias más completas.
      Salud.

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  9. Puxa... contou uma linda estória em versos! Admiro quem faz assim tão lindamente. Bju

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  10. Tão bonito que até parece real!!
    .
    Estamos no caminho certo...
    Beijos e uma excelente semana! Boa noite.

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