Foto do autor do texto



Que fortes são as casas caiadas 
brancas como uma folha branca 
onde o tempo escreve em manchas 
o espanto dos homens 
os mais velhos guardam dentro delas 
a sua fidelidade à memória 
os mais novos guardam dentro delas 
as suas explicações para o espanto dos velhos 
como pedras complicadas 
que vão deixando pelo caminho
se tiverem de regressar 

dentro das fortes casas brancas 
os homens bebem e fumam 
e ajustam o corpo ao corpo das suas mulheres 
em gestos parecidos com o amor 
nas suas camas de ferro a rangerem 
as memórias dos antepassados 

os homens e as mulheres 
pintam de branco com cal as suas casas brancas 
ao domingo e comem as comidas simples 
que as suas mulheres inventam 
iguais às que já estão inventadas 
e bebem 
e fumam 
e cantam 
e dormem à noite cansados 

a infelicidade ronda agora 
os telhados das casas de cal 
ela veio ao chamamento dos homens 
que por engano cantaram 
o que lhes mandaram cantar 
e quando acordam e abrem as portas 
das suas casas brancas 
o mundo já é outro 

são fortes as casas antigas caiadas 
são brancas na cor das cores e resistirão
os homens velhos 
estão sentados a comer o tabaco 
em velhas argolas de fumo 
os homens novos 
talvez mudem o mundo outra vez. 

 

Foto do autor do texto


11 comentários:

  1. O poeta transmite uma vigorosa ideia sobre a resistência, a memória e a mudança. As casas caiadas, brancas como uma folha, simbolizam a força e a permanência das tradições e das histórias que guardam dentro delas. Ao mesmo tempo, o poema mostra como o tempo e a infelicidade podem alterar o mundo ao redor dessas casas, mesmo que elas permaneçam fortes e brancas. É uma homenagem à resistência das gerações passadas e uma esperança de que os homens novos possam, talvez, transformar o mundo novamente.
    A diversidade de leituras é algo que enriquece a experiência de cada leitor, e entendo perfeitamente o seu ponto de vista.
    Ambas as fotografias são lindas de morrer e sintonizam totalmente com a mensagem do poema.

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    1. Perfeito comentário. Está no seu texto tudo o que o autor pensou.
      Resistir é a palavra de ordem.

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  2. As casas guardam memórias... invisíveis a olho nu, mas permanecem escritas naquelas paredes...
    O Mundo já não é o mesmo...e na conquista, destrói-se as memórias...
    Triste, mas poderoso o poema....
    Beijos e abraços
    Marta

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    1. Esperemos que os novos honrem a memória e a luta dos velhos.
      Um abraço.

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  3. Muitos dos novos destroem a memória dos velhos se as casas derem lugar a hóteis de luxo e outras construções já para não falar de despejos sem dó nem piedade sem pensarem que também eles um dia serão velhos!
    Gostei muito mas doi-me imensamente ver a destruição de lugares tão bonitos!
    Beijos e um bom domingo

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    1. Isso é verdade, o lucro e o enriquecimento comandam as acções dos humanos.
      Bom domingo.
      Um abraço.

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  4. Neste poema de notável densidade simbólica e social, as casas caiadas surgem como testemunhas silenciosas do tempo, da memória e das transformações humanas. A brancura não é apenas estética, é uma tela onde se inscrevem as marcas do passado e as inquietações do presente. A estrutura em versos livres, com ritmo quase narrativo, confere à composição um tom de crónica poética, onde o quotidiano se entrelaça com a resistência silenciosa do povo.
    A alternância entre gerações, os velhos que guardam memórias, os novos que carregam perguntas ,ilustra com sensibilidade o fosso entre a tradição e a mudança, entre o saber acumulado e o desejo de transformação. E se os gestos se repetem, “iguais às que já estão inventadas”, há também um eco de cansaço e desencanto que paira, como a infelicidade rondando os telhados.
    Mas o poema não se resigna. Termina com a esperança possível: “os homens novos / talvez mudem o mundo outra vez” Uma linha que abre futuro, ainda que incerto, e reafirma a importância da memória como alicerce para o renascimento.
    Um poema que honra o peso do passado sem esquecer a urgência do presente , resistente, belo e inquietante como as próprias casas de cal.
    Muito realista e assertivo.
    A foto muito bem escolhida.
    Bom domingo.
    :)

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    1. O seu comentário trata todos os pormenores que incluí neste texto como mensagem que se prende com a situação actual cuja mudança não se compadece com os que sofreram pela liberdade. O sofrimento dos mais desprotegidos vai aumentar, conforme a sua trágica escolha.
      Muito Obrigado.
      Um abraço

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  5. Um poema poderoso às casas antigas caiadas.
    Está escrito com ums linguagem simbólica e
    interessante...
    Que o novo não aniquile o antigo!
    Aplaudo a sensibilidade e criatividade.
    Abraço
    Ps...
    O Lago do Parque não é o mesmo que foco na mnha postagem.
    A nova esplanada fica na Linha de Água, junto da Av Fontes P de Melo.
    Otima semana.
    ===

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    1. Corrijo... A esplanada do Jardim Amália fica junto da Av Marquês da Fronteira...
      Desculpe o erro.
      ~~~

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    2. As casas brancas é a resistência.
      Sim, achei que a esplanada era a que existe ou existia no topo do Parque Eduardo VII.
      Um abraço.

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