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Acontece por vezes quando a memória 
nos trás uma palavra
o nome do amigo que já não está 
uma referência triste sobre outra coisa
e um finíssimo raio de luz
ilumina um lugar em nós num vale 
ou numa montanha do nosso mapa
essa luz que nem sempre existiu
mas durante anos iluminou tudo
vencendo todas as sombras
sem que déssemos por isso

essa finíssima luz era  o brilho da felicidade 
naquele tempo que depois  
com a sua escancarada boca
devorou
hora a hora
ano a ano
o que tinha para devorar

até que um dia esse finíssimo raio de luz
ilumina uma pedra incomoda 
que se movimenta e soa como um eco
como um ser que trazemos dentro de nós 
num lugar recôndito do nosso mapa
ou como uma areia que se contém 
numa ampulheta que escorre 
para um lado ou para o outro
conforme nos erguemos ou nos deitamos
passando rapidamente na sua lentidão 

os outros dormem ou acordam
com as suas pedras e as suas areias
em vez de um raio luminoso
e encontramo-nos e estremecemos
com a nossa imagem 
numa praça qualquer do mundo
um lugar onde nunca estivemos juntos
mas que a minha vontade me faz acreditar
num quadrado de terra como uma praça maior
onde estarei de facto rodeado dos espectros
dos quais serei um ou talvez mais do que um

um finíssimo raio de luz
escreve no chão o meu nome
e imagino agora que estás ao meu lado.


 


5 comentários:

  1. Um dia... defrontamos-nos com uma solidão que já estava lá, mas que não sabíamos, não queríamos reconhecer....
    Beijos e abraços
    Marta

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  2. E a nostalgia do poema acende em nós um tempo também ruidoso e feliz
    O resultado da memória afetiva que transcreve no seu poema, que o faz tão real.
    Um abraço L e boa semana.

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