Restaurante Solar dos Mouros - Lisboa



Um homem e uma mulher
estão sentados a uma mesa
são pais e avós 
com a sua missão cumprida
comem com a boca fechada
já esgotaram as palavras
o seu silêncio é o silêncio da discórdia 
durante o tempo do passado
não tiveram tempo para concordar
agora discordam em tudo
e o corpo também já não é diálogo 
o seu silêncio é o silêncio da discórdia

um homem e uma mulher
estão sentados a uma mesa
de um restaurante popular
nem têm olhos um para o outro
fora do prato que dividem 
e num ímpeto disfarçam 
o que determina o seu silêncio 
eles são iguais aos seus pais
que lhes mostraram como são 
os órfãos de palavras 
que se encontram em todos os lugares 
e nos restaurantes em silêncio 
aos fins de semana

um homem e uma mulher
estão sentados a uma mesa
colam os dedos às migalhas
sossegadas sobre a toalha
e afogam o silêncio num prato de sopa
chegaram ao ponto de secar o seu nome
que só pronunciam
no azedume dos seus desencontros
molham o pão na angústia  
e dão estalos de prazer com a língua 

o homem e a mulher 
que estão sentados a uma mesa
de um restaurante penúmbreo 
temem a morte do outro
porque isso será a prazo
a sua própria morte 
quando esse pensamento
lhes cai da cabeça para os olhos
dão a mão ao outro
é o máximo de ternura
de que são capazes
já que as suas línguas 
nunca mais se encontrarão. 


 

 

19 comentários:

  1. O poema retrata de forma sensível e profunda a complexidade das relações humanas, especialmente entre um homem e uma mulher que, apesar de compartilharem uma vida e uma história, vivem um silêncio carregado de discórdia e distância emocional. O poeta fala sobre a passagem do tempo, a perda de palavras e de diálogo, e como o medo da perda um do outro pode, paradoxalmente, aproximá-los em momentos de ternura máxima. A cena da imagem reforça a visão dessa vida triste e vazia.

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    1. Muito certeiro o seu comentário. Homens e mulheres que no final das suas vidas apenas se suportam, diria que é muito comum.

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  2. O silêncio que esconde a distância e torna a vida vazia...Senti isso com os meus Pais... juntos, mas numa casa cheia de silêncios doridos....
    Beijos e abraços
    Marta

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    1. Aprendemos muitas coisas com os nossos pais até a ser órfãos de palavras.
      Um abraço.

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  3. Há gestos que o tempo apaga e a inércia anula a dinâmica da vida.
    Abraço de amizade.
    Juvenal Nunes

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    1. A inércia é a antecâmara da decrepitude.
      Um abraço também Caro Juvenal.

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  4. Infelizmente há muitos casais assim que não têm diálogo e ou pouco diálogo e atribuo à solidão de muita coisa como a ausência da família sobretudo dos filhos. Gostei
    Beijos e um bom dia

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    1. O silêncio entre um casal é um campo de destroços.
      Bom dia.
      Um abraço.

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  5. Um belo, duro e longo poema, L.
    Ás vezes, a abundância de palavras é-nos necessária para descrever a quase indiferença mútua de um casal que sobreviveu demasiados anos a essa tristíssima indiferença.
    Muitos dos casais que fui conhecendo ao longo da vida sobreviviam exactamente assim. outros, poucos, não precisaram de sobreviver na indiferença: venceram-na.

    Um abraço!

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    1. Esta é uma realidade muito mais comum do que poderíamos pensar. Acho que muitos de nós já presenciámos ou até já passámos por situações parecidas.
      Um abraço.

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  6. Ya sabe todo uno del otro, sus largos años de convivencia les ha llevado al aburimiento.
    Un abrazo.

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    1. El amor prolongado que no se renueva pierde su frescura y su contenido.
      Un abrazo.

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  7. Os pais são o espelho dos filhos.
    Por vezes essa circunstância não é
    levada em conta, mas nada mais
    verdadeiro. Com o tempo os casais
    vão entrando num silêncio arroz, seja
    nos restaurantes ou em casa.
    Já estive no Solar dos Mouros a almoçar
    com a minha filha.
    Um abraço

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    1. brancas nuvens negras26 de junho de 2025 às 11:25

      Essa é uma realidade nos casais com mais idade e com a vida resolvida. Uma tristeza para o fim da relação comum.
      Um abraço.

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    2. ...silêncio atroz... (ali em cima)

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  8. Pienso que a veces ese silencio no es incómodo ni significa distanciamiento.
    Un abrazo

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    1. Cuando las parejas envejecen ya no tienen nada de qué hablar.
      Un abrazo.

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  9. Há muitos casais assim, até compreendo que fiquem, pensarão que apesar de tudo têm companhia. Para mim seria um tormento.

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    1. É muito comum chegar até à ausência das palavras. A companhia do outro faz falta mesmo que em silêncio.
      Um abraço.

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