Mesmo que a tua silhueta cujas feições se perderam
me caia no escuro dos sonhos, sempre igual, sei que és tu. 
Todas as mulheres são a mesma mulher
 e todas começam e acabam em ti. 
 Não mais do que uma vida 
em tantas viagens futuras sem sair do teu passado. 
O teu corpo agora diferente, depois de tanto caminho 
é o mesmo sendo outro. 
Recordo-te nos teus passos, ao fim de uma tarde longínqua, 
junto à margem do lago que já não existe,
a minha timidez transformada em ousadia abraçou-te com palavras, 
disseste que sim e desde logo um turbilhão
de luz escura raiou imparável.
Contigo nasceram igrejas, cemitérios, praias de promessas
como redutos da verdade que nunca sobreviveu à nova mentira.
Eu era para ti como uma ponte sobre as águas revoltas.
Não sei da tua existência, mas sei que não existes sem mim.
 Na verdade nunca exististe, senão numa concepção irreal,
 como eu, sendo aquele que te criou, também nunca existi. 
Sou hoje o que permanece à tua sombra, no negrume que agora, 
com o sol que várias vezes nasce no poente,
estende a tua silhueta sombria que perdurará 
até à chegada da primeira e única noite.
Sempre voltas, sendo tu és uma outra
com quem consumo dias do tempo que me resta.
Desde sempre desejei dormir com a cabeça no teu colo
porque a mulher nossa amante pode também ser nossa mãe.
Morrerás no dia que for escolhido
como o dia em que deixarei de vomitar
textos desirmanados e imagens desiguais.
Todas as mulheres vivem em ti, continuas em cada uma
em todas renasces em todas te confundes
em mais uma e em mais outra, até depois.
Dos vestígios que deixaste,
nem retratos, nem sombras, nem recordações
ninguém sabe quem tu foste porque afinal até eu já te esqueci
até eu já me esqueci.


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