Sintra
Esta história passou-se em 1945 e foi-me contada pela minha avó quando eu era muito jovem.
Delmira, uma sua colega, era professora da escola primária, como se dizia na época, em actividade numa recôndita aldeia do Distrito de Viseu.
Há seis anos esse era o lugar para onde tinha requerido a sua deslocação após um fatídico acidente, num dia 27 de Novembro, que lhe levou o marido e a sua filha de oito anos.
Disse-me a minha avó, que conhecia bem o caso e que ainda hoje a abala quando se recorda.
Acontece que a professora Delmira, um dia reparou numa sua jovenzinha aluna que trazia ao pescoço um pequeno lenço vermelho. Delmira chamou a criança para junto da sua secretária, ela veio receosa pela chamada sem justificação e ficou um pouco distante. A professora perguntou-lhe onde tinha arranjado aquele lenço tão bonito, a pequena ficou calada e a professora insistiu acariciando-a e beijando-a na testa. A menina balbuciou apenas:
-Não sei, foi a minha mãe!
E Delmira, para a sossegar disse:
-Diz à tua mãe que esse lenço é muito bonito!
A menina respondeu:
-A minha mãe já morreu!
Delmira impressionada mandou sentar a criança e ficou muito curiosa e agitada porque aquele lenço era em tudo igual a um que ela conservava como recordação da sua filha.
No fim da aula Delmira foi para casa, directamente, sem perder tempo.
À chegada, entrou no seu quarto e viu aberto sobre a cama o lenço vermelho da sua filha. Como seria isso possível, já que quando lhe pegava, com frequência, para tomar o aroma ainda preso no lenço, o guardava logo após, com o maior cuidado?
Nessa noite a insónia deixou-lhe tempo para recordações, as boas e as trágicas.
No dia seguinte entrou na sala de aula, já com alguns alunos sentados e não viu a pequena do lenço vermelho. Em cima da sua secretária estava um sobrescrito dirigido a si, que abriu. Dentro havia uma folha de papel que dizia:
Sou A. S. pai da sua aluna Maria da Luz Salvador e
venho informar que por razões da vida pessoal da
família estamos a mudar de residência pelo que a
Maria da Luz já não poderá regressar à sua classe.
Pediu-me a Maria da Luz para lhe dizer que vai ter
saudades suas e sabe que irá encontrar-se
consigo um dia.
Delmira cada vez mais inquieta dirigiu-se à contínua do expediente a quem pediu para procurar nos registos o nome da aluna Maria da Luz Salvador com o número de matrícula 2711. A contínua percorreu as folhas com atenção mas não encontrou qualquer registo com esse nome e disse até que esse número de inscrição não seria possível por estarem longe de alcançar essa quantidade de matrículas.
Delmira sentou-se, agitada e suando muito, até desmaiar. Foi levada para o hospital e nunca mais regressou ao serviço.
Disse-me a minha avó que nunca mais a viu, até àquele dia em que me contou a história. E disse-me depois:
-Contei-te esta história para que um dia a contes aos teus filhos e aos teus netos e dês a guardar ao mais velho este lenço vermelho que agora te dou a ti.
O passado como instrumento para entendermos o presente e prepararmos o futuro
ResponderEliminarGostei da simplicidade
Obrigado pela visita e pela atenção prestada.
EliminarBoa Noite.
Nesta história caminham juntos, a dor profunda e até onde ela pode conduzir a alma humana, o sobrenatural, e a mensagem de quão importantes podem ser a passagem de testemunho da força que o passado exerce no presente e pode reflectir-se no futuro.
ResponderEliminarEsta foi a ilação que tirei deste texto.
Quiçá, ainda sob a influência de lembranças próprias, recentemente reavivadas.
Desejo-lhe um excelente Domingo.
PS- A rápida publicação dos comentários nem nos dá tempo para rever a pontuação. Peço desculpa.
ResponderEliminarMuito obrigado obrigado pelo comentário. A sua apreciação é sempre desenvolvida e eu acho isso interessante. É sempre motivador quando alguém se identifica com o texto que escrevemos.
EliminarQuanto à pontuação, não reparei, portanto ponto final.
Um bom domingo e um abraço.
A bela aguarela de misteriosa Sintra estava mesmo a pedir um conto que pendesse para sobrenatural...
ResponderEliminarGosta dos fortes contrastes e sabe tirar proveito deles, L.
Abraço
DA misteriosa Sintra, perdão...
ResponderEliminarMuito obrigado, é sempre simpático o seu comentário.
EliminarAgradeço a sua visita.
Um bom domingo, até mais logo.
Mundos paralelos, o sobrenatural e o real, cruzam-se aqui na boa tradição do conto fantástico.
ResponderEliminarRespeito muito aquilo que desconheço, embora me custe muito aceitar o inexplicável.
Da estória, uma coisa é certa: prende e faz pensar... que a imaginação não tem limites.
Religiões há que acreditam noutra vida para além da morte.
Abraço e um domingo de paz
Agradeço o seu comentário. A ficção com mistério, apesar das nossas crenças ou não crenças acaba por prender a nossa atenção.
EliminarUm bom domingo também para si e obrigado pela visita.
Conclusão: o Senhor das Nuvens é o mais velho dos seus irmãos.
ResponderEliminar:)
Sempre curiosas as suas observações. Não confirmo a sua conclusão pois nem eu sei quem é quem neste conto.
EliminarMuito Obrigado pela visita.
Mistério que, sinceramente, não sei comentar. Sempre é melhor que dizer asneiras, lol
ResponderEliminar.
Um domingo feliz
E eu agradeço a vinda e a sinceridade das palavras.
EliminarBom domingo.
Devo dizer que gostei da agurela de Sintra.
ResponderEliminarConhecida pelo seu romantismo, também é pelos seus mistérios.
Adorei este conto, que merecia continuação, pois é cheio de mistério e suspense.
Obrigada pela sua partilha.
Boa semana!
:)
Muito obrigado, gosto sempre dos seus comentários e tenho de lhe agradecer as suas indispensáveis visitas.
EliminarBoa Noite.
Alguém a conheceu mais tarde.Vivia agarrada a uma boneca e a um pequeno lenço já sem nenhuma cor. Passava os dias a embalar a boneca e o trapo. Era fraca da cabeça dizia-se mas nunca fez mal a ninguém.
ResponderEliminarEm tempos tinha sido professora e a perda da sua única filha tinha-lhe levado o juízo.
Histórias antigas que se cruzam. Seria a mesma? Faz parte de um tempo tão antigo.
Obrigada por me recordar.
Que surpreendente o que me escreveu. O que diz é ficção ou foi real?
EliminarAguçou a minha curiosidade.
Obrigado pela sua visita, gostei muito que viesse.
Depois do comentário da George, fiquei ainda mais curiosa sobre esta lenda ou estória.
ResponderEliminarbom domingo
beijinhos
:)
A minha história é ficção a da George não sei, também fiquei curioso mas não tive resposta.
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