Foto de Bartolomeu Rodrigues

Tenho uma janela na minha casa, 

na minha pequena casa uma janela grande

toda em vidro. 

Ali me sento há muitos anos, onde 

os meus olhos conversam com o meu cérebro. 

Em frente tenho uma casa

desenvolvida, carismática, cheia de vida 

com um grande jardim. 

Acompanho os gestos, os sons, as carícias 

de uma mulher com o seu filho há pouco nascido. 

E sem dar conta me surpreendo

com a certeza do crescimento

das flores, das árvores e da criança. 

E tudo foi crescendo dentro da paisagem

sempre a mãe bordando o amor por aquele filho

que se tornou um infante, depois um jovem

e o lugar dos brinquedos e das correrias

foi tomado pelos livros, o estudo, a conversa. 

Até um dia em que só

a mulher passeava a ausência do seu filho. 

E cresceu o tempo de estar só 

com a brancura a crescer nos seus cabelos. 

Mais tarde, os caminhos preparados

aceitaram o sol e as sombras daqueles dois

que ocupavam os meus dias. 

Começando de novo os seus sorrisos, 

as vozes já trocadas, os livros, os passeios. 

Ela, apoiada no seu braço descansava os anos

cansados da sua ausência. 

Eu, testemunha ignorada 

da vasta construção da vida 

ali ficava nas horas perecíveis 

até ouvir uma voz que me soprava

o tempo em que fiquei a flutuar. 

Deslizava então sobre as rodas

que substituíam as zonas de mim sem futuro

para o lugar que nunca mudou de lugar. 

Para as brancas nuvens negras.