Saldos


Hoje estou a saldar:


O silêncio em que me escondi

     depois de me ter perdido. 

A imobilidade em que fiquei 

     depois de ter ouvido matarem-me. 

As moedas que não usei

     para comprar a cura para a nostalgia. 

O som oblíquo das noites

     de vigília das noites. 

As carícias perdidas

     em rostos sem coragem. 

A concavidade no olhar

     com que fiquei depois das perdas. 

A música que ouço amiúde 

     do vento na folhagem das árvores. 

A claridade que existia

     e que eu não vi. 

A chuva de estrelas

     de quando chegaram os meus sucessores. 

A barca imaginária 

     que me trouxe até aqui. 


Estou a saldar tudo

menos este lugar à janela do mundo. 




 

23 comentários:

  1. Os saldos são literais do termo ou são a tarefa de reavaliarmos a nossa presença no mundo
    😊
    Obrigado pela presença

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    1. Deixo a interpretação ao cuidado de quem lê. Eu é que agradeço.

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  2. Boa noite. Parabéns pelo seu excelente trabalho.

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  3. Curiosa coincidência
    Também estou procedendo
    Ao balanço
    de ganhos e perdas
    Não saldo nada
    a não ser esta janela aberta sobre o Mundo
    há cerca de 10 anos
    Estou seriamente a considerar fecha-la
    Porque
    Tenho outras janelas, abertas
    Porque
    Os actos de cidadania, por aqui rareiam
    Porque
    Porque a blogosfera, já não é o que era
    Porque
    e porque
    e porque
    e por que

    A decisão ainda não é definitiva
    se amanhã não aparecer
    acabou por acontecer

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    1. A Blogosfera já não é o que era porque pessoas como tu Rogério, continuam a ir embora!! Uns por escolha própria... outros porque tiveram de tomar o expresso da eternidade.
      😞

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    2. Posso considerar isso
      um empurrão definitivo?
      Dizer que, depois de 10 anos
      me vou embora seguindo quem partiu
      é mesmo acusar-me de ter desistido...


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    3. Perante este anúncio fico sem palavras. As decisões decerto são ponderadas e a qualquer momento poderemos ter-te de regresso. Vamos sentir a falta.
      Aguardarei os acontecimentos mas deixo aqui um longo abraço e um grande obrigado.

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    4. Rogério,
      Se consideras o que eu disse um empurrão definitivo, esquece então por favor que leste as minhas palavras.
      Lamento profundamente que as tenhas deturpado.

      Um beijo triste

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  4. Este seu poema, lido e relido, é um dos que mais me tocaram , L.

    Curiosamente, vejo que a expressão "este lugar à janela do mundo" foi interpretada - e é possível que muito correctamente -, como uma metáfora deste seu blog. Eu vi-a como a expressão da sua própria identidade...

    Gosto muito desta aguarela; deu um coração/fruto a cada uma das árvores/nuvens.

    Abraço!

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    1. Muito interessante o seu comentário e até clarificador para mim com a interpretação que lhe deu. Obrigado por gostar da aguarela.
      Obrigado por vir.
      Obrigado.

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  5. Tantas vezes nos perdemos para voltarmos a encontrar-nos. E o coração faz o "balanço" do que perdemos e ganhámos. Um poema muito belo e cheio de motivos de reflexão.
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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    1. Um muito agradável comentário que fez ao meu escrito, como sempre.
      Agradeço e desejo também uma saúde continuada.
      Abraço

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  6. Deixa-me sempre em reflexão, tentando perceber o alnce poético das suas frases. E se assim me deixa, assim continuo ...

    Cumprimentos

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    1. Essa é uma das intenções que me move, por isso lhe agradeço a atenção que dedica, aos meus textos.
      Um abraço

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    2. Concordo com o Ricardo, é necessária uma análise profunda para alcancar o sentido poético da sua POESIA.

      Vejo-me na aguarela à espera do autocarro, levando uma porrada de chuva.

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    3. Tomo essa opinião como um elogio.
      Surpreendente o que vê na imagem.

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  7. Não saldo, não vendo, - sequer a preço de custo, - tampouco ofereço, tudo o que a vida me deu e até o que me tirou.
    Só eu lhes sei dar valor, pois o valor dos meus bons e maus momentos de nada serviriam a outrém.

    Mas gostei e muito, desta forma tão sui generis de trazer até nós pequenos bocados de coisas suas.
    Dispensando-as ou não. :-)

    Quanto à aguarela, acho-a um primor. Pela primeira vez sei dizer a ideia que me transmite:
    Uma nuvem azul, paradoxalmente carregadinha de água, para regar a bonita árvore, em forma de pinheirinho de Natal.
    Parabéns pela excelente publicação.

    Um abraço.

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    1. O saldo de ideias foi bem entendido pelos que me lêem, como verifico pelo seu desenvolvido e atencioso comentário.
      E agora uma piada: esperei que me dissesse que via na aguarela 3 azeitonas com pimento.
      Agradeço muito a interpretação que deu ao texto e à aguarela.

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    2. Enganou-se, meu Caro Pintor/Poeta.
      Vejo um pinheito enfeitado com bolas vermelhas alusivas ao Natal.
      E esta, hein?

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  8. O Poeta não sabe o que diz.
    Não é epoca de saldos.
    Por decreto que invento agora, não salda nada, senao tem uma coima e nunca mais se livra das palavras.
    Não salda, nem vende, nem dá.
    Apenas deixe-nos ler, e já é tanto.
    O resto é ficção, pura e dura.
    A aguarela é uma éspecie de esperança.
    beijinhos
    :)

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