Este texto, sem data, foi encontrado no diário do meu avô que morreu com 92 anos. Foi casado com a minha avó que era espanhola.


(Para dizer à maneira de Almada Negreiros quando disse  O Manifesto anti-Dantas)





Eu não sou português


EU TENHO VERGONHA DE SER PORTUGUÊS!

EU NÃO QUERO SER PORTUGUÊS!

EU NÃO SOU PORTUGUÊS!

Eu não gosto de vinho,

Eu não gosto de fado,

Eu não tenho clube de futebol,

Eu não gosto de touros,

Eu não tenho religião,

Eu não respeito quem nos governa

da mesma maneira

que não se respeita um pai que é ladrão, 

mentiroso, 

corrupto

e sei lá mais o quê!

EU JÁ NÃO GOSTO DE PORTUGAL!

EU NÃO SOU PORTUGUÊS!

EU SOU QUASE ESPANHOL!

Eu só não sou todo espanhol porque não falo espanhol!

EU QUERO SER TODO ESPANHOL!

Eu gosto da Espanha,

Eu gosto dos espanhóis,

sobretudo das espanholas

das espanholas que dançam flamenco!

EU NÃO SOU TODO ESPANHOL

PORQUE TAMBÉM SOU UM POUCO FRANCÊS!

E assim sucessivamente,

até sendo de todos não ser de nenhum!

EU SOU APÁTRIDA!

E embora nada disto seja real 

o que sei sobre este assunto é que

EU JÁ NÃO SOU PORTUGUÊS

E JÁ NÃO TENHO VERGONHA DE NÃO QUERER SER PORTUGUÊS!




28 comentários:

  1. Parece um manifesto anti dantas do seu tempo
    😊
    Gostei

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    1. Acho que o meu avô se inspirou nesse manifesto. Bom, não sei se o Almada já o teria escrito. Obrigado.

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    2. O Manifesto anti—Dantas foi publicado em 1915.
      Sabe quando o seu avô escreveu este Manifesto?!

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    3. Não faço a mínima ideia mas, em presença dessa data, talvez tenha sido depois.

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  2. O direito à revolta e à indignação é um diteito instituído na Constituição da República Portuguesa.
    Não sei é se quando o Avô do Luís escreveu isso tinha a liberdade de o poder gritar.
    Não obstante o neto quer continuar a ser português, fez bem em vir gritar para o blogue a mesma indignação já antes expressa pelo Avô.

    Tudo na História se repete...

    Um abraço.
    Boa Noite, sem revolta.

    Janita

    PS- Peço desculpa, mas vou ter de usar uma outra conta. Não consigo comentar com a habitual.

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    1. Li este texto com um sentido jocoso e humorístico. Achei graça e comparei com o manifesto do Almada. Eram outros tempos, sem liberdade e ainda por cima o meu avô era casado com uma espanhola o que decerto o motivou.
      Eu sou português, por vezes para não ficar triste com certas coisas, penso que poderia ter nascido na Serra Leoa, o que seria pior.

      Obrigado por ter vindo.
      Um abraço.

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  3. Um manifesto com o qual quase me identifiquei.
    Não tenho vergonha de ser portuguesa.
    Não gosto dos espanhóis, embora a minha bisavó fosse espanhola.
    O resto do manifesto podia ter saído da minha caneta.


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    1. Também não tenho vergonha de ser português. Não tenho especial preferência pelos espanhóis, mas gosto muito de Espanha. Afinal ambos temos essas origens.

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    2. Eu sou quase alemã.
      Também sou um pouco francesa — o meu bisavô paterno.
      Como o seu avô também eu:

      “Eu não gosto de vinho,
      Eu não gosto de fado,
      Eu não tenho clube de futebol — simpatia pelo FCP
      Eu não gosto de touros — gosto de touros, mas NÃO gosto de touradas
      Eu não tenho religião,
      Eu não respeito quem nos governa
      da mesma maneira
      que não se respeita um pai que é ladrão,
      mentiroso,
      corrupto
      e sei lá mais o quê!”

      Vejo o seu avô como um homem de ESPÍRITO LIVRE, significa para mim não estar filiado num partido político.

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    3. Tive de me rir, achei muita graça a este seu texto. Nesse tempo deveria ser difícil a filiação num partido a não ser o do poder.
      Um abraço.

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    4. Um homem como o seu avô (como eu o imagino) nem hoje se filiava num partido político.
      Onde o partido tem sempre razão e ninguém pode pensar com a sua própria cabeça.

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    5. Provávelmente sim. Tentamos adivinhar.

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  4. Esta sua publicação deixou-me deliciada, L.!

    Saio daqui com a alma lavada :)

    Abraço!

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    1. Muito obrigado, o seu comentário é muito simpático.
      Um abraço e saúde.

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  5. Será denegação
    por vezes parece que sim
    por vezes parece que não

    Caso sim, como as denegações são como as cerejas
    quando digerimos umas, nos lembramos de outras
    de pronto de ocorreu a do Mário de Carvalho
    «Denegação por Anáfora Merencória».

    (O meu velho marujo também se foi embora aos 94
    mas tinha um orgulho do caraças em ser alentejano»

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  6. Bom dia Luís. Eu me imaginei nesse maravilhoso texto, colocando um brasileiro. Boa quarta-feira.

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    1. Tenho acompanhado a situação aí. Nada fácil. Chegará o dia da libertação como já aconteceu antes.
      Um abraço.

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  7. Há quantos anos, ou melhor séculos, vejamos por exemplo Eça de Queirós e tantos outros escritores, poetas etc, já eram uns inconformados.
    Na época do seu avó , não era nada fácil ter esta atitude, um homem portanto com convicções e carácter fortes. Percebo agora de onde vem a sua "rebeldia " (;
    Eu gosto de Portugal e de ser portuguesa, mas tenho muitos pontos em comum com o manifesto do seu avó.
    Não gosto de vinho, não tenho clube de futebol, não gosto de touradas, não respeito quem nos governa e tem governado.
    Mas gosto de fado e tenho religião (;

    A aguarela parece-me um touro, será ? (:



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    1. O desenho é um D.Quixote.
      Pelo que tenho visto, o meu avô escreveu para o seu tempo mas o seu tempo também tem a ver com o nosso tempo. Já não posso, senão felicitava-o.
      Um abraço, saúde.

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  8. Uma preciosidade encontrar esse poema do seu avô.
    Nessa altura já era um desassossegado(e incoformado com o regime) como o neto.
    Achei o poema deveras interessante.
    Beijinhos
    :)

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    1. Como se costuma dizer, "quem sai aos seus...", só não sou casado com uma espanhola. Obrigado pela visita.
      Um abraço, saúde.

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  9. Quem viveu a ditadura sabe bem entender o hoje, aquilo que muitos querem escolher, sem saber o que dizem ou o que votam !!!

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    1. Concordo consigo. A ignorância que tem sido promovida e a não satisfação das necessidades tem proporcionado o estado de coisas a que estamos a chegar.

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  10. Um grito é um grito, sempre. De braço no ar, tem ainda mais impacto. Seja de um português, seja de um indonésio.

    Um abraço

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  11. Uma preciosidade esta publicação.
    O desabafo de um desiludido num pedaço de papel. Um verdadeiro manifesto.
    Me emocionei de verdade.
    Beijo, resguarde-se bem para chegar à idade do seu iluminado avô.

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    1. Obrigado pela sua apreciação. Estou em clausura, veremos até onde.
      Um abraço, saúde também para si.

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