Uma cidade


A vida nesta cidade não é bem vida 

     é estarmos mortos 

     nos intervalos de quando estamos vivos. 

O que tem de belo esta cidade 

     é que não nascendo aqui o sol 

     aqui se vai demorando. 

A vida nesta cidade não é bem vida 

     é não parar de dizer aos outros 

     para se esquecerem de nós. 

O que tem de belo esta cidade 

     é a ausência de vozes 

     o desconhecimento do nosso nome. 

A vida nesta cidade não é bem vida 

     é ficar por detrás do nevoeiro 

     sem saber para onde ir. 

O que tem de belo esta cidade 

é que podes ir perdendo o teu poema pela rua

que ninguém repara nesse lixo das palavras. 




 

28 comentários:

  1. A cidade é a nossa casa mascarada de mundo mais pequeno
    Gostei

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    1. Bem visto, concordo, é uma ideia curiosa. Obrigado.

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    2. É realmente uma ideia curiosa, embora a minha ideia seja uma outra.

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    3. A cidade é uma sátira...
      e eu não estou convidada.

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    4. Correcto.
      Ninguém precisa de convite para entrar.

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    5. Gosto da beleza e morbidez da sua poesia.
      Como gosto das grandes cidades
      onde nunca tantos se conheceram tão pouco

      A aguarela não mostra os vermes da cidade, mostra sim, a beleza da cidade fantasma.

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    6. Tomo em conta a caracterização que faz do que escrevo, isso é útil para mim.

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  2. Essa cidade é todas as grandes cidades do mundo e o poema, como todos os poemas, vai-se perdendo entre o que muitos consideram lixo e, outros, luxo.

    Isto é apenas o que eu senti... ou o que instintivamente me ocorreu assim que acabei de ler, L.

    As suas árvores-nuvem metamorfosearam-se, hoje, em árvores-pena.

    Na cidade que eu vejo da minha marquise, vão nascer olaias e árvores-de-fogo :) Vão mesmo!

    Forte abraço

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    1. As grandes cidades são o desassossego mas, por outro lado, oferecem possibilidades de carácter cultural que não existem nas cidades de província. O ideal era poder viver em dois sítios diferentes.
      Um abraço.

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    2. É isso mesmo, poeta!
      A minha querida cidade invicta, embora não seja propriamente uma cidade da província, não me oferece culturalmente o que me oferece a cidade de Düsseldorf.
      Eu amo o desassossego, o lixo e o luxo.

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    3. Bom, isso já é a outra escala, o Porto já oferece muito para ver e ouvir, Düsseldorf é outro mundo. Agora imagine o que é estar exilado aqui onde estou.

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    4. Mas o poeta NÃO gosta do desassossego, embora a sua POESIA seja desassossego puro. Após a leitura de „GRITO“ não consegui dormir toda a noite.
      BERLIM é sim um outro mundo. Apanhei uma pneumonia durante a Berlinale.
      Já agora, Düsseldorf é uma das cidades mais limpas que eu conheço.
      E quando vou às janelas, estou rodeada de árvores, cortadas como as árvores de Paris.

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    5. Já não gosto de muito desassossego mas gosto de realizações culturais, não de inaugurações, só vou às minhas porque não posso faltar.
      Já agora a que GRITO se refere?
      Árvores aparadas em cubo? Paris ainda é especial.

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    6. Aquela palavra era um grito

      Acordei assustado nos meus sete anos,
      uma rajada de metralhadora fez-me saltar da cama.

      As árvores no meu jardim estão aparadas em cubo como as árvores que vi o ano passado em Paris.

      Que saudades que tenho de inaugurações, às quais nunca faltava — até o vírus 🦠 acabar com a minha vida cultural

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    7. Ah, muito bem, aquele texto tirou-lhe o sono, não foi bom para si mas afinal o texto teve o efeito desejado.
      O vírus vai ser vencido e as inaugurações vão voltar.

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  3. Numa cidade somos mais um, no meio de outros.
    A aguarela é uma fuga, para um lugar onde podemos ser vida!

    Um abraço

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  4. Todas as cidades nos dão a certeza do anonimato...

    Abraço e bom resto de semana

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    1. E isso é bom, basta, sermos conhecidos no nosso bairro.
      Obrigado pela visita.
      Um abraço

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  5. vi a tristeza entrelaçada
    com teias de aranha nas montras
    os vidros embaciados
    as portas fechadas
    o silêncio dolente
    vi a minha cidade – abandonada

    era dia de sol
    e cheirava a mofo e a chuva
    as minhas mãos crispadas
    no fundo dos meus bolsos vazios
    e a solidão com feridas profundas
    no esquecimento anunciado

    o chão amargo da melancolia
    prenhe de fragrâncias com história
    e de cheiro a fado nas esquinas
    a calçada à portuguesa impregnada de rostos
    de olhar em quebranto cingido

    já ninguém sabe de mim
    nem dos meus sonhos tresmalhados por aí
    nos barcos ancorados
    e nos livros da cidade
    já ninguém me conhece nas esplanadas da tristeza
    vi a minha cidade – abandonada



    © Piedade Araújo Sol
    2011-12-01

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    1. Quero agradecer-lhe a gentileza do envio deste poema também sobre a cidade.
      Vamos ter esperança de que tudo o que refere no seu poema possa voltar a ter vida.
      Muito Obrigado, gostei.
      Um abraço

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  6. Ahora no hay vida en ninguna parte. las ciudades parecen desiertas.

    Besos

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    1. Aquí también estamos confinados, tendremos que vencer al virus.
      Un abrazo

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  7. As cidades estão assim. Mais mortas que vivas, porque somos nós que as vestimos de vida.
    Gosto da aguarela.
    Abraço e saúde

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    1. A vida e o bulício voltarão. Obrigado por ter vindo.
      Um abraço

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