Foto em Dinheiro Rural.com.br



Moendo o café 


Que faço eu aqui? 

Os meus olhos não mais altos que o balcão 

a cara no encosto ao calor da minha mãe, 

contemplo a manga da bata cinzenta

que se move no labor do negócio doce, 

o som que mói os grãos negros

saltando até chegar a sua vez, 

o aroma que invade todo o espaço ___

___ todo o espaço da memória.

Caminho enquanto balanço nos dedos, 

num cordel colorido, o embrulho do prazer. 


Cheguei. 

Que faço eu aqui? 

Milhões de grãos negros depois

a recordar com este aroma 

que trago do passado ___ todos os dias. 

Que faço eu aqui, 

ainda, 

a ver-vos partir? 








25 comentários:

  1. A consciência do ser e de todas as dúvidas com que evoluímos como seres

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  2. Foi isso mesmo que li, L. ; a consciência do tempo que passou, aqui plasmada nos grãos de café... e longa é a história do café, amargo e doce como a vida.

    Forte abraço!

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    1. Certo. Uma maneira de assinalar o decorrer do tempo quando há memória de certos factos.
      Um abraço.

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  3. Uma publicação diferente e igual — como sempre „a consciência do tempo que passou“ — esquecer à força de lembrar.

    Tomo o café preto e amargo na consciência que a minha vida é doce como o mel.

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  4. Bom dia!

    Hoje vou esquecer o texto e ligar-me apenas à fotografia e ao título.
    Veja só como anda generalizada isto da nostalgia... fizeram-me lembrar uma velha canção que tanto bailei nas matinées e soirées dançantes na minha adolescência. Vou deixar o link directo a ver se também se lembra deste ritmo. Era assim:- MOLIENDO CAFÉ.

    "Cuando la tarde languidece, renacen las sombras
    Y en la quietud, los cafetales vuelven a sentir
    Esa triste canción de amor de la vieja molienda
    Que en el letargo de la noche parece gemir.

    Una pena de amor y una tristeza
    Lleva el sambo Luís en su amargura
    Pasa la noche incansable moliendo café..."


    (Não é Luís, é Manuel, mas faça de conta que é.)

    Lembra-se?

    Quanto à fotografia, devo dizer-lhe que gostei muito. Adoro fotos antigas a P&B, se forem do tempo da meninice distante, ainda mais gosto.
    Só mais uma coisita. Esse menino, cresceu, fez-se homem, amou, foi pai, avô e, provavelmente envelheceu. Tudo nele pode ter mudado fisicamente, porém, esse seu nariz, visto de perfil, torna-o perfeitamente identificável. Se estiver enganada, olhe, é o mesmo...

    Ainda mais uma coisa: Habituei-me a vir a este blogue e gosto de o fazer. Quantas vezes sem intenção de 'abrir a boca', mas quase sempre leio ou vejo algo que me incita a falar. Se acaso algo que eu diga o incomodar e/ou, a minha presença lhe desagradar, pode ser franco e dizê-lo abertamente aqui. Claro que continuarei a vir ler o que escreve, mas sempre de boca calada.
    Obrigada.

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    1. Conheço a canção, quando escrevi o título lembrei-me disso.
      A foto é de 30/9/56 em Peniche e o nariz é o mesmo, sim.
      A sua presença neste blog é estimada pelo autor. Valorizo os seus comentários muito completos e são já um hábito que espero diariamente, são os comentários que tornam este espaço vivo e interessante.
      Continue a marcar a sua presença, agradeço.

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    2. Há uma semana atrás acanhei-me em perguntar, mas irei fazê-lo agora.
      Afinal, perguntar não ofende.
      Em Setembro de 1956, que idade tinha o Senhor das Nuvens, então, Menino das Nuvens, que ainda haveriam de vir ensombrar o horizonte?... Oito, nove, dez?
      Obrigada e desculpe.

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    3. Compreenderá que a confissão de certos pormenores da minha vida pessoal, que não acrescentam nada de valor ao que aqui apresento aos meus leitores, pode matar todo o envolvimento etéreo que se recomenda numa actividade artística destas. Sei que a seu tempo irá saber desde que pesquise.
      Apelo para a sua compreensão e peço-lhe que me desculpe.

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    4. Sem problema... Era mera curiosidade. Mas, sim, agora ainda mais curiosa, ficarei atenta.
      Agradeço a resposta à mesma.

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  5. Escrever é esse exorcismo interno _ que faço agora? rs
    Gosto demais das suas aquarelas fico tentando adivinhar cada pincelada e os poemas sempre muito muito muito bons.
    Sobre os grãos, maior que o prazer de vê-los convertido em líquido é o aroma que quase inebria.
    A foto menino é aquela saudade boa.
    Que a semana seja inspiradora e sobretudo com a saúde em alta.

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    1. Fui sensível ao seu comentário, é essa participação que torna vivo este lugar. Só posso agradecer-lhe a sua gentileza.
      Saúde, um abraço.

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  6. Quantas vezes já não nos interrogamos sobre; O que faço eu aqui? Depois entra-se em recordação e pensamentos que, se calhar nem serão os melhores. Mas a vida é feita de projetos futuros e recordações do passado. É nessa conjugação que se vive e projeta a própria vida.

    Votos de um domingo feliz.
    Abraço

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    1. Recordamos muito o passado, desejamos muito no futuro e por vezes esquecemos o presente.
      Obrigado. Cumprimentos.

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    2. Afinal, o POETA sabe que O ÚNICO TEMPO REAL QUE EXISTE É O PRESENTE.

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  7. Es una pregunta, que más de uno nos hemos hecho.

    Besos

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  8. Hoje começo pelo fim. Adorei a foto do menino que me fez lembrar o meu irmão com os seus seis, sete anos. Nós não morávamos junto ao mar de Peniche (gosto imenso de Peniche, e é sempre lá que inicio o ano. Este ano confinada não pude ir) mas junto ao rio e os barcos que nós víamos eram os navios bacalhoeiros da Seca, os botes de pobres homens, sem trabalho, ou com salário de miséria, que lançavam o cerco para a pesca, tentando amenizar com ela a fome que tinham à mesa e já nos anos 60 os barcos pneumáticos dos Fuzileiros que corriam o rio em exercícios que lhes serviriam de ensaio para os muitos rios nas colónias, especialmente na Guiné.
    O poema, a memória dum tempo que passou e que ligou o carinho da sua mãe ao aroma do café.
    Abraço, saúde e boa semana

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    1. Gostei muito do seu comentário, é muito bom saber que lhe despertei memórias saudosas de tempos e locais que estão no seu arquivo.
      Saúde também para si e um abraço.

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  9. O olfacto é sentido que me desperta mais recordações de infância.
    O calor da nossa mãe, é inesquecível.
    Um olhar para o futuro, é o que vejo nesta sua foto.

    Um abraço comovido

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    1. Obrigado pelo seu comentário. Gostei que ficasse sensibilizada.
      Um abraço

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  10. Um poema a lembrar a criança que ainda há entre nós.
    A memória de tanta coisa, que nos mantem vivos.
    Tão belo o poema.
    Gostei das fotos mas a segunda é muito emotiva.
    Beijinhos
    :)

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