Foto de Daniel Filipe Rodrigues



Quem me dirá? 


 

Quem por aí me dirá 

como desabitar as nossas recordações? 


Como se encontra entre as páginas de um livro

os dois bilhetes do concerto que nos comoveu, 

sem escutar o eco da última música? 


Como se toma na mão uma chávena 

do museu que visitámos há trinta anos, 

sem uma lágrima? 


Como se folheia um álbum antigo onde

se encontra o clarão que ficou de outra vida, 

sem um traço agudo no peito? 


Como se olha uma flor seca que ficou

do último encontro antes da morte, 

sem estremecer? 


Quem por aí me dirá 

como desabitar as nossas recordações?

Digam-me depressa porque

ainda trago a chuva de ontem nos sapatos.



 

13 comentários:

  1. As nossas recordações serão sempre habitadas

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  2. Se tal como Manuel Freire dizia «não há machado que corte a raiz ao pensamento», então também não poderemos desabitar as nossas recordações.
    Mas podemos evitá-las se:
    - deitarmos o livro no papelão;
    - partirmos em mil pedaços essa chávena;
    - lançarmos os álbuns de fotografias à lareira;
    - triturarmos as flores secas até serem pó...
    Talvez a chuva passe e amanhã seja um dia de sol.

    Até amanhã
    (^^)

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    1. Ou seja, destruir tudo o que fale no passado. Não sei se resulta.
      Até amanhã. Obrigado.

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  3. Sabe que no romance de Carlos de Oliveira „Uma Abelha na Chuva“ a chuva é a classe opressora, a força da opressão?!
    POESIA e FOTOGRAFIA derrubam a realidade, condenando-a ao sonho.
    Enfim, uma publicação perfeita.

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    1. A chuva sempre me causou uma sensação de angústia. O seu comentário é muito agradável.

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  4. Só se desabitam as recordações quando se perde a memória.
    Não quer isso, pois não?
    Então, guarde-as num cantinho do seu coração e crie espaço para novas vivências que serão recordações futuras.

    (Descobri que ser-se estupidamente prosaica também tem o seu lado lírico ...assim, descalce os sapatos que a angústia passa...)

    PS- De um lirismo genial é a foto do Daniel, que nem o texto conseguiu suplantar.

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    1. Por vezes seria saudável perder a memória de certos factos, momentos e pessoas que vieram poluir a nossa existência.
      Sobre a ideia de ser "estupidamente prosaico" e isso ter um "lado lírico" recorda-me a referência de ontem aos "artistas" de variedades que citou, nesse particular não estou de acordo.
      Daniel terá conhecimento do merecido elogio.
      Muito Obrigado.

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    2. Desta vez não acertou.
      O que escrevi hoje, entre parêntesis, nada tem a ver - em intenção - com a referência de ontem aos cantores que citei e respeito.

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  5. Belo poema.
    Aceitar a transitoriedade da vida é o segredo para sentir, uma saudade gostosa, que no final nos deixa com um doce sorriso no rosto.

    Uma semana Feliz

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    1. A vida, umas vezes parecendo curta outras vezes sendo tão longa, as memórias marcam o tempo.
      Obrigado pela visita.

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  6. Mesmo se soubesse como
    nunca te diria
    prezo suficientemente a nossa amizade
    para te evitar tal receita

    Nós somos a memória que temos
    e ela, como sabes, é selectiva

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