Companheiros da minha terra


Dos velhos da minha terra

conheço todos os vícios 

das dores

das contestações dos ossos

das pomadas

dos comprimidos

do mau humor

da falta de cabelo

das unhas grandes e duras

da lamúria

pela falta de visitas

da soneira a toda a hora

do esquecimento 

e do silêncio. 

Os velhos da minha terra

viciam-se nos olhares descaídos

e lentos de pouco alcance

aceitam habitar o vazio

por entre o cheiro

a sopa e a urina 

com revolta e angústia

caladas na boca dura. 

Falta-lhes o crepitar 

de uma lareira familiar com vozes

que eles escutam

embora ausentes

ficam leves, todos voando

nas suas pantufas eternas

enquanto estão vivos.



 Fotos do autor do texto



14 comentários:

  1. Os velhos são o depósito das maldades e benesses do passar do tempo

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    1. Os velhos são a sabedoria e a anunciação da nossa própria velhice.

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  2. „Envelhecer não é para cobardes“

    Saudações da ilha antes do regresso a casa.

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    1. Jean Harlow que morreu tão cedo é que pronunciou esta sentença pela primeira vez:

      “Envelhecer não é para covardes”

      Boa noite, Luís, desta vez da minha casa casa em Düsseldorf.

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  3. Que magnífico poema, L. !

    E que bem ilustrado, embora tão dolorosamente ilustrado!

    Eu também tenho uma cadeira-de-balanço herdada da minha mãe que a herdou do sogro, o meu avô poeta...

    Forte abraço!

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    1. Sou dos que acredita que a poesia também deve ser dolorosa.
      Agradeço a classificação que deu à publicação de hoje.
      Saúde, um abraço.

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  4. Bom dia, Luís!
    Pelo que nos diz no texto acerca do conhecimento dos velhos da sua terra, creio que lhe advém das suas visitas ao Lar de Idosos da terra onde vive. Ou, então, fala em sentido figurado, ja que não é difícil adivinhar os sintomas e sentires da velhice.

    Bem, pela parte que me toca, faço por aceitar o envelhecimento - o contrário não será de fortes, mas de alienados - mas espero nunca me render à velhice. Assim, a Mãe Natureza me ajude. Entretanto, deixemos que ela venha devagarinho.

    Como dizia Gabriel Garcia Marquéz: " O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão." Saibamos, pois, num dia que ainda há-de vir mas não está muito distante, honrar o pacto que assinarmos com a solidão. Já que ela sempre vem associada à velhice.

    Um abraço

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    1. Bom dia Janita
      O seu comentário de hoje contém elementos e palavras esperançosas na forma como será possível encarar a velhice, estou de acordo, no entanto a realidade, na maioria dos casos, é aquela que verso no texto. O pacto com a solidão é uma abstracção que parte do nosso convencimento, é o nosso "bater de pé" à vida. Gosto da troca de opiniões, faz parte do pacto com a solidão.
      Um abraço também.

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  5. Muito obrigado, é um gosto ter a sua visita.

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  6. Boa tarde Luís. Obrigado pelo texto que nos traz reflexão. Acho que a calvície e insônia tem sido os meus maiores companheiros. Mais sei que os comprimidosserão meu próximos amigos e companheiros.

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    1. Olá Luiz
      Estamos todos na mesma onda, é preciso manter o ânimo, a calvície é sintoma de elevada testosterona e para adormecer basta ver televisão na cama.
      Um abraço

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  7. Na tua terra os velhos envelheceram muito,
    diria que estão mesmo uns trapos
    que tal associarem-se à "minha" Associação
    de "desenhadores de sonhos?"
    Podemos criar aí uma delegação?

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    1. Talvez possam criar aqui uma delegação, não tenho conhecimento de como seria aqui a receptividade.

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