Uma nuvem de fumo ___

___ não mais


Circunscrevo o olhar
circunscrevo os gestos
circunscrevo as palavras
como se o desejo ___ que virá 
fosse uma condenação 
como se o calor das mãos 
pudesse soldar uma fenda
como se não houvesse
um lugar do meu corpo
com direito ao desejo
à vertigem
ao nervosismo da ideia do desejo. 
Aconchego-me na cama
e fico a olhar o branco
da parede do quarto obscuro
onde planam as imagens
de mulheres-borboleta
como se fosse um filme
de um tempo que desconheço 
suspeito no entanto
que tem tudo a ver comigo
e com os pecados que cometi. 
Acendo a luz e tudo termina ali
até a minha vida
porque afinal não sou mais
do que uma nuvem de fumo
circunscrita a um espaço fechado.





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Uma nota de emoção e pesar por Paula Rego



19 comentários:

  1. "porque afinal não sou mais
    do que uma nuvem de fumo"

    Primeiro: não acredito
    Segundo: a ser verdade que sentido faz o poema?

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    1. Todos os poemas fazem sentido mesmo aqueles que aparentemente não fazem sentido... até aparecer alguém a quem as palavras e as ideias fazem sentido.

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  2. Bellissima poesia, perfetta la chiusa. Complimenti e buona giornata.

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  3. Divido este poema em duas partes que se entrelaçam e fazem sentido: a primeira: o sentir doloroso da culpa do desejo como se fosse de outro mundo e a segunda: visões de mulheres borboletas que ligas aos pecados onde viras nuvem de fumo.
    Agora a minha construção: até eu marava se visse homens borboletas na tua tela onde apenas vejo três: uma a andar de skate dando velocidade ao teu sofrimento, outra pobre coitada esborrachou-se no chão de tanto tentar o mesmo e a do canto a quer levantar voo para fugir ao te imaginário.
    Já mandei o 112 porque não quero que morras na nuvem de fumo sentimental!
    Entendo e sei que um poeta tem estados de alma, bons, menos bom e maus e dou-te um exemplo de um ícone da nossa literatura que me fartei dele enquanto estudante; Fernando Pessoa ao que eu chamava: O inconformável complicado e em muitos dos teus
    poemas revejo/sinto alguns traços. No entanto gosto de algumas obras dele mas prefiro outros autores.
    Saio daqui a sorrir e vou ali e já venho porque um velhote que não sabe ler pediu-me para lhe ler um artigo de um jornaleco sobre o Luis Filipe Vieira não fosse ele benfiquista ferrenho. Vês esta borboleta encarquilhada vai voar e gargalhar sobre este teu molho de brócolos no meio da nuvem negra:)))))
    Beijos e um bom dia e
    Junto-me à tua nota de pesar

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    1. Bem interpretado este texto. Uma nota de humor, sempre a propósito.
      Pelos vistos há por aí um trabalho social a desenvolver nem que seja para ler notícias do Benfica.
      Um abraço e um dia feliz.
      Obrigado.

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  4. As visões e as culpas por vezes andam de mãos dadas.
    Excelente, um dos teu melhores poemas. Talvez mesmo o melhor.
    Continuação de boa semana, caro amigo.
    Um abraço.

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    1. As culpas, os remorsos são as pedras no caminho.
      Essa classificação à minha publicação de hoje, enche-me de regozijo.
      Caro amigo, retribuo o abraço.

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  5. Li e reli e não consigo encontrar um adjectivo que defina o sentimento do autor ao escrever o poema. Tão pouco aquele que sinto ao lê-lo.
    De todos os adjectivos que me ocorreram não encontro nenhum que traduza a negação ao sentimento de desejo expresso.
    Sendo o nosso idioma tão rico para tudo nomear e definir, sentimentos há que, pelo menos para mim, ficam impossíveis de expressar por palavras...Talvez este seja dos textos poéticos com maior profundidade que já aqui li, ou, quiçá, o que mais me sensibilizou.
    Se gostei? Muito!
    Um abraço.

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    1. É uma felicidade para um autor quando o leitor nos diz que foi tocado pela mensagem que pretendemos passar mas que, sempre ficamos na dúvida se ela sensibilizará alguém. Registo o seu agrado, Janita, hoje foi dia sim para o autor, mercê comentários tão favoráveis como o seu e o do Jaime.
      Um abraço.

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    2. Obrigada, Luís.
      É também muito gratificante para quem comenta, seriamente e com sinceridade, receber uma resposa tão sincera quanto a que o autor nos deu.

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  6. Não sou capaz de comentar este poema Luís. Nem de por em palavras o que senti. Desculpe.
    Abraço e saúde

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  7. O que disse também é um comentário, importante é ter sentido algo.
    Um abraço.

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  8. Um dia deram-me a conhecer Paula Rego. 
    Não apreciei.
    O grotesco feriu a minha sensibilidade.
    Mas uma pagela, abriu uma página...
    Mais tarde, a Casa das Histórias, ajudou-me a compreender a natureza humana e a manifestação de uma Arte.
    O seu poema... dividido em 4 partes:
    I - tudo se repete... um pouco mais do que já lhe é conhecido (...) um desejo que não (se) consegue reprimir, e que é condenável.
    II - um vídeo de luz que lhe trouxe à memória o que já viveu e já não vive, talvez por ter pecado...
    III - hoje, resta-lhe apenas sinais de fumo, para comunicar estados de alma.
    IV- ao acender a luz, tem a noção da escuridão...  
    Gostei Muito!
    Tocou-me Profundamente!

    Como se o tivesse escrito especificamente para mim... em "stricto sensu".
    "Se amo alguns livros são aqueles em que sinto que o seu autor, que pode ter morrido séculos antes de eu ter sido engendrado, se dirigia a mim, a mim pessoal e concretamente, a mim em confidência."
    Miguel de Unamuno
    Até a pintura, com um apontamento de cor de laranja, o que não é habitual!Gratidão e Admiração!

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    1. A profundidade deste seu comentário deixou-me sem palavras, tudo o que eu possa dizer é supérfluo.

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  9. Em forma de homenagem.
    Uma bela partilha.
    Que descanse em paz.
    :(

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