Foto de Daniel Filipe Rodrigues





Dentro de nós a tormenta


Há lugares dentro do corpo 

onde nos debatemos como no mar 

e ninguém nos vem ajudar 

a tirar do barco 

a água que nos afunda.










20 comentários:

  1. que desamparo se instala em mim, quando o sinto débil
    tão intensa é essa dor, à qual não sou indiferente
    sei da raiz, sei do fogo, desse imperfeito engano
    serei uma vez mais mar
    ao longo de tantos anos
    e esta água que o sustenta!

    "Levanta-te, não chores.
    Tens de saber que às vezes é difícil
    matar o que nos mata,
    ir aguçando o gume do cutelo
    e movê-lo depois, logo em relâmpago,
    até que o monstro seja degolado
    e não fique sequer uma gota de sangue,
    da cicuta voraz que lhe corria
    pelas veias tão geladas, sob a pele
    que terias beijado quase a medo
    em busca de um sabor que fosse o fogo
    e o ar e a água,
    mas era só veneno adocicado,
    daquele que vicia sem parecer viciar
    e nos deixa sem cura a vida inteira.

    Levanta-te, bem sabes,
    desde o tempo dos contos infantis,
    que todo o mal procura disfarçar-se
    em rostos como aquele,
    na perfeição volátil desse abismo
    a que chamam beleza e vai ardendo
    em lânguidos sorrisos e olhares
    feitos de pura seda, seduzindo
    espíritos como o teu,
    demasiado inocentes ou perversos
    para desconfiar da eternidade
    ou para resistir à luz fosforescente
    que, obedecendo às leis da natureza,
    sempre soube atrair até à morte
    o alucinado voo das borboletas.

    Levanta-te, vá lá, não tenhas medo
    de apertar o gatilho as vezes necessárias
    para que tudo morra - os estertores
    da tua alma ou do teu corpo
    mesmo assim doem menos, acredita,
    que o travo torvo dos piores remorsos.
    E se vires que é preciso
    rasgar dentro de ti, antes de serem escritos,
    os mil e um poemas
    que haverias de ler, talvez sem esforço,
    à flor daquela face, não hesites,
    porque a felicidade tem um preço
    e os versos, quaisquer versos, são apenas
    a memória infiel deste vento que move
    as árvores lá fora enquanto é noite,
    mas que às primeiras horas da manhã
    deixará elevar-se um nevoeiro
    tão espesso e esbranquiçado, que o amor
    será nesse momento uma palavra baça
    que nada te dirá, a ti ou a ninguém"

    Fernando Pinto do Amaral

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro Anónimo, agradeço-lhe a oferta deste poema, tão extraordinário, um bom início de madrugada ao lê-lo. Vou guardá-lo para que possa ler e reler as vezes que quiser.
      Boa Noite, um abraço.

      Eliminar
  2. Chego aqui de madrugada e encontro dois poemas … digo apenas que a fotografia é linda de morrer.

    ResponderEliminar
  3. Em muita coisa que decorre na vida teremos de ser só nós a resolver porque não há quem nos ajude. Lutar, acreditar e ter esperança são os meus instrumentos porque acredito que melhores dias virão.
    Beijos e um bom dia

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O individualismo, que tão estimulado é no mundo de hoje, deixa-nos cada vez mais sozinhos.
      Um abraço.

      Eliminar
    2. Teresa Palmira Hoffbauer

      A solidão é também inspiração com ou sem tormenta.

      Eliminar
  4. Também gostei do poema do Fernando P. Amaral...com muito conteúdo. Parabéns!
    Beijos

    ResponderEliminar
  5. Quando a tormenta se instala dentro de nós temos que ter a força necessária para lutar com ela, mesmo sem barco, mesmo sem ajuda...
    Belíssima reflexão.
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Como diz o ditado popular "Fazer das fraquezas força".
      Boa semana, um abraço.

      Eliminar
  6. E porque todos, ou quase todos nós, poetas portugueses, trazemos o mar dentro de nós, essa tempestade é frequentemente inspiradora.

    Gostei, L., tal como gostei do aguerrido poema do F.P.A. que o Anónimo amavelmente lhe trouxe.

    Forte abraço!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo que essas tormentas podem ser inspiradoras. Sempre a nossa inclinação para a melancolia.
      Um abraço.

      Eliminar
  7. Mensagem de Cidália Ferreira recebida por mail:

    Um poema intenso, belo!
    A Blogger anda com problemas.

    Beijo, e uma excelente semana.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Agradeço a classificação que deu à minha publicação.
      A plataforma Blogger está com graves problemas desde há muito tempo. Impede a possibilidade de entrar em certos blogs.
      Um abraço.

      Eliminar
  8. Comentário de Piedade Araújo Sol recebido por mail :

    boa tarde Caro Poeta/Pintor
    já há muito que cheguei à conclusão que nas tormentas,
    ninguém (ou quase ninguém nos deita a mão) e por vezes essa mão
    não tem custos, é apenas uma tábua de salvaçao gratuita
    curto mas intenso, o poema, como eu gosto.
    boa semana.
    :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo com o seu comentário, a experiência diz-nos isso.
      Um abraço.

      Eliminar