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Na minha casa tudo é possível


Na cave guardo os caixotes 

do que nunca usei

     ventos devastadores 

     palavras graves e assassinas

     raivas acumuladas

     balas atiradas às paredes


No andar térreo é onde vivo

uma sucessão de dias e de noites

com a boca do tamanho necessário 

com um búzio encostado ao ouvido

com folhas e folhas num mar de letras

É o lugar onde devoro a vida

e bebo dos rios de comoção 


No andar de cima

a que chamo o primeiro

é onde mantenho tudo o que é possível 

e que resiste

     casas antigas onde vivi

     sons perdidos que encontrei de novo

     corpos nus que se negaram ao tempo

é onde descanso do hábito 

e me acordo com sevícias 


No sótão 

     os sonhos

     os medos

     os remorsos

     as angústias

     os perdões 

     os que me faltam

a janela para o céu ___

___ já ali ___ encostado ao telhado

Este é um lugar que visito e revisito

sem lá ir

o lugar dos recitais que arranham a noite

o lugar por onde passarei

uma única vez ___

___ voando.




 

12 comentários:

  1. Vivemos um dia
    nessa mesma casa
    sem disso
    nos darmos conta

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  2. Que belíssimo auto retrato em metáforas, L.!

    A Natália Correia chamar-lhe-ia um "perfil surrealista", mas eu sou muito menos exuberante, fico-me pelo auto retrato...

    De qualquer forma, um esplêndido poema que li e reli.

    Forte abraço!

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    1. A classificação que dá ao meu escrito, vindo de quem é conhecedora do assunto, é motivo de satisfação para mim.
      Um abraço.

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  3. vivemos em todos os andares....

    o do meio é o que ficou na memória do Poeta
    o seu lugar de conforto.

    :)

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  4. O sótão... é sempre deliciosamente fascinante!
    :)

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  5. Vou passar aqui mais vezes, navegando! Gostei muito.

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  6. Excelente poema o seu.
    Identifico-me com ele...
    -
    Coisas de uma Vida...
    .
    Beijo. Boa tarde de Feriado!

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    1. É um gosto para o autor ter tocado a sua sensibilidade.
      Um abraço.

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