Elas amanhecem no café 

De tão cedo parece que acordam 

sentadas à mesa ___ juntas

nunca são menos de três e nunca mais de seis

ocupando então duas mesas

com falas e gargalhadas que ocupam

todas as mesas do café 

são o eco umas das outras

são irmãs no que consomem 

um carioca e um queque

e falam no que as consome por igual

sentem-se igualmente injustiçadas 

no fim das suas vidas profissionais

e pelos maridos inúteis que têm em casa

todas regressaram aos estudos na universidade 

e omitem “sénior” quando falam disso

o que lá aprendem interessa-lhes pouco

o que conta são as excursões 

já foram ao Porto e ao “Passeio dos Três Castelos”

gostam dos espectáculos do coro

de que não fazem parte 

só lá andam as que “têm a mania”

e a professora é “aquela embirrante das finanças”

também gostam dos aniversários umas das outras

levam um bolo sem decoração 

e dizem ter menos dois ou três anos

todas percebem mas todas fazem o mesmo

elas nunca viajaram para “o estrangeiro” 

mas vão muitas vezes “à terra” que é a mesma

do marido onde afinal se conheceram

e dizem 

nunca conheci outro homem

Deus me livre!

sonharam ir à Madeira que é quase ir ao estrangeiro 

mas nunca acordaram com a mala feita ___

___ os filhos depois os netos

precisam muito delas ___ agora é tarde 

e temos de estar perto do hospital

podemos ter uma urgência

como quando o marido ficou aflito da próstata

nada de grandes ausências de casa

já não somos novas

já não há diversão ___ nem em casa

porque sou velha mas ainda gosto

diz uma e as outras aprovam suspirando

mais valia irmos para freiras 

diz uma e as outras riem alto

e dobram-se batendo com as mãos no colo


são horas ___ no café vão pôr as mesas

para os almoços

acabou a liturgia dos sábados de manhã 

contrariadas voltam ao convento

para mais uma semana 

de rezas entaladas na garganta.


Foto do autor do texto 



17 comentários:

  1. Na próxima vez que estiver com o meu grupo no café francês.
    E descobrir um poeta que nos observa.
    Como falamos muitíssimo baixo, não sabe o que estamos a dizer.
    Então, vou ter com ele e pergunto-lhe, se quer fazer parte do nosso Círculo Literário, onde lemos romances antigos sobre amores antigos, um fascínio.

    A fotografia é interessantíssima.

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    1. Os amores antigos reencontram-se nos personagens e nas suas liturgias dos sábados de manhã.

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  2. Gosto de poemas que contam histórias. Também é das minhas actividades preferidas: observar e registar.

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  3. Autêntico! Sem mais nem menos.
    Gostei do ritmo e da verdade da história.
    Um abraço
    Olinda

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    1. Situações que se repetem em vários lugares deste nosso mundo.
      Um abraço.

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  4. Que fabulosa "curta metragem" de uma manhã de Sábado na esplanada do café...

    Dificilmente me encontraria nela, que só ao fim da tarde vou ao cafezinho para ficar a tentar aprender um pouco mais de Ciência com um cientista irlandês... e, às vezes, até aprendo qualquer coisa, ainda que sejam extremamente complexos os temas abordados. Depois vem uma amiga brasileira que quando não vem exausta do trabalho, "bota fogo" na mesa inteira :)

    Um forte abraço, L.!

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  5. Gostei imenso deste post que realmente muitos grupos fazem isso e olha que ri com vontade:)
    A foto está um must:)
    Beijos e uma boa tarde

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  6. Adorei!
    Meus parabéns, porque isto é pura realidade.
    Gostei deveras...
    Abraço

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  7. Boa tarde Luiz,
    Gostei imenso deste poema pela situações aqui descritas, porque ia visualizando esta realidade tão atual e verdadeira.
    Até me fez sorrir, porque me identifiquei nalgumas das situações;))!!!
    Beijinhos,
    Emília

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  8. Caro Poeta
    Sorri ao ler este seu poema tão real, que é tal qual o que vejo no café, sempre que vou lá, seja à hora do pequeno almoço, e pela tarde pela hora do lanche, quando vou tomar o café.
    Delicioso de ler.
    ;)

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