Os dias sempre iguais

É audível e conhecido 
o ruído metálico da bicicleta do carteiro 
que nunca traz o que esperamos 
     o som musical do amolador 
     que afia as nossas memórias rombas 
as vozes de duas mulheres que falam alto 
enquanto andam sem se olharem 
     uma rola que insiste no seu canto 
     desinteressante e repetitivo 
um cão que ladra a toda a hora 
com a voz aprisionada a uma corrente
     as músicas populares maliciosas 
     do vizinho ocioso que mora ao lado 
a mulher com a ponta do avental 
traçado na cintura 
a limpar o corrimão da escada 
cantando. 

Os ruídos previsíveis numa repetição diária 

fazem-me praguejar com palavras antigas 

que ouvi ao meu avô ___ 

___  O raio que os partam 

os dias sempre iguais. 


Os dias estão a acabar 

sim 

e depois?



 

16 comentários:

  1. Há algo bélico no desenho, que me fascina.
    O tédio dos dias do poeta tem o efeito de soltar o praguejador que existe dentro dele.
    A única esperança é de sairmos vivos 🕊

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    1. Todos praguejamos uma vez ou outra.
      Daqui ninguém sairá vivo! Como dizia Jim Morrison.

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    2. Tenho um amigo virtual que está sempre a praguejar contra o Putin.
      Não me lembro de praguejar, mas penso que as mulheres praguejam menos do que os homens.
      Em caso de uma guerra nuclear as minhas cinzas vão parar à campa do Jim em Paris.

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    3. Eu prefiro ir parar no monumental jazigo de Oscar Wilde que também se encontra no Père-Lachaise.

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    4. Ter as cinzas no Cemitério do Père-Lachaise é um privilégio apenas de alguns. Eu prefiro transformar-me em fumo.

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    5. Só no caso de uma guerra nuclear vou parar ao cemitério Père-Lachaise.
      Eu prefiro ir parar aos jazigos de família em Düsseldorf ou no Porto.
      Abraço 🕊

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  2. Os carteiros infelizmente já ficaram lá atrás

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  3. Fiquei aprisionada na tela num beco sem saída mas de olhos postos na parte colorida e lendo-te digo-te apenas isto: e depois? Hoje acordei viva e a refilar com palavras feias em kimbundo:) devido a um estrondo enorme feito por um vizinho que me acordou. Hoje o dia não será igual ao de ontem e amanhã se eu não for ser vivo façam o que têm de fazer porque todos os dias há flashes positivos e temos que os sentir e aproveitar.
    Beijocas e um bom dia

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    1. Os vizinhos, quando não compreendem que vivem paredes meias, são o nosso desassossego.
      E depois? Ninguém sabe o que virá depois, aproveitemos, por isso, os dias de agora.
      Bom Dia, um abraço.

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  4. Todos os dias há milhares (ou milhões?) de pessoas para quem os dias efectivamente acabaram...

    Esse homem cabisbaixo que caminha entre ruínas - assim "vejo" a aguarela - sobreviveu.

    Fiquei presa à ideia do "som musical do amolador/ que afia as nossas memórias rombas"...

    Forte abraço, L.

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    1. Assistimos hoje em directo ao fim dos dias de milhares de pessoas, algumas que só agora começaram a viver.
      Curioso com a sua interpretação, fui rever a imagem, consegui identificar a leitura visual que fez.
      Um abraço.

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  5. Face aos cenários de destruição, caos, dor e sofrimento, que me entram pela casa dentro através de uma realidade que mais parece um filme de terror, bendigo o rame-rame do meu quotidiano.

    A imagem sugere-me precisamente, a desordem actual que reina na capital de um País que está debaixo de fogo.
    Quanto ao carteiro, que bons foram os dias sempre iguais em que ele me tocava à porta.
    Às vezes, duas vezes!!

    Um abraço.

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    1. Concordo, a terrível realidade a que assistimos lá longe, deve permitir-nos valorizar os nossos dias tranquilos.
      Quando se fala em carteiro, logo nos sugere o nome do filme.
      Um abraço.

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