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A carta

Um homem escreve uma carta a uma mulher 
como se fosse um acto antigo 


O homem escolheu o mais terno papel rosa 
e sobrescrito a condizer ___ com cantos violeta 
nele escreveu o nome da mulher
e o lugar de destino

O homem carregou de tinta azul a sua estimada 
e bela caneta que estava muda desde 
quando disse a última carta 
Escreveu a data na primeira linha 
o dia registado ___ seminal
com letras maiores escreveu no meio da página 
     Amo-te, tenho saudades
na última linha, o homem assinou apenas
com o seu primeiro nome

O homem guardou a carta no sobrescrito 
que não colou ___ beijou-o duas vezes 
e encostou-o à jarra onde tinha as flores 
que amanhã levaria para depositar 
no lugar inscrito a seguir ao nome da mulher

Depois deitou-se para dormir e sonhar 
como fazia todos os anos.




17 comentários:

  1. Uma forma elaborada de celebrar/recordar alguém que já partiu. Fiz isso muitas vezes em forma de surpresa enquanto seres vivos porque quando partiram. O meu irmão ainda recebeu uma carta minha quando vivi no Brasil Encontra-se sepultado em Luanda num talhão dos militares angolanos. Recordo-o apenas com o coração. Quando surpreendia o meu pai, lá como cá, ele era "dos antigamente" ficava sem saber o que fazer às flores e claro dava à minha mãe. Sempre disse que quando morresse não queria flores , nem cuscos e cuscas e outra coisas tais. Tinha uma caneta igual à tua mas toda preta e o respetivo tinteiro que ofereceu à minha filha mais velha quando terminou o curso. Foi cremado e as cinzas ficaram por lá.
    Respeito inteiramente quem faça o contrário daí ter gostado muito deste teu testemunho poético que levei por quem partiu de vez, mas no teu sentir poderá ser diferente.
    Beijocas e um bom dia

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    1. Tocante este teu comentário, sincero, fala de acontecimentos familiares que ficam como uma parte marcante da vida de qualquer um. Vivi esse tempo, perdi amigos, vivia numa rua principal de Lisboa onde diáriamente passavam os carros militares cobertos com a bandeira portuguesa e pensávamos que estávamos na idade de ir.
      Apreciei o comentário de hoje.
      Um abraço.

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  2. Tão bela, esta carta de amor para uma amada que partiu, L.!

    A personificação da caneta que "estava muda desde que DISSE a última carta", tocou-me particularmente.

    Forte abraço!

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  3. Teresa Palmira Hoffbauer6 de agosto de 2022 às 12:21

    Escrever uma carta é um acto antigo.
    Ninguém escreve cartas nos dias de hoje.
    A carta que o poeta escreveu não é uma carta de amor ridícula.
    É sim, um verdadeiro monumento de poesia romântica.
    A revelação do sentimento pela forma mais nítida, mais perfeita, mais adequada e mais musical.

    A caneta e o tinteiro são lindos de morrer.
    O papel tem de ser cor-de-rosa, quando a carta é para uma mulher?!

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    1. Tomo muito em conta o seu comentário, o seu conhecimento de literatura dá ênfase à classificação que deu à publicação.
      O rosa por ser uma cor suave e doce.

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  4. Há muitas formas de partir.
    Talvez a amada de hoje, tenha saído da vida do autor da missiva e esteja em lugar incerto.
    Pode haver separação física e o amor continuar a existir.
    Aida hoje amo a lembrança do meu primeiro amor.
    Talvez o único, o verdadeiro. Mas a vida não quis... e a carta que escrevi foi de despedida, ou seja, o inverso do que aconteceu aqui.
    Porém, sem ficção.

    Um abraço

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    1. As cartas já não se usam nos dias de hoje. Talvez haja na vida de alguns de nós uma carta inesquecível, o texto de hoje pode despertar as memórias dos leitores. Assim foi consigo, fico contente.
      Um abraço.

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    2. A carta que refiro também não foi escrita nos dias de hoje, nem pouco mais ou menos.
      Foi no tempo em que só existiam cartas. Ora entregues em "mão própria" ou através dos carteiros dos CTT.
      Obrigada.

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    3. Eu compreendi isso mesmo, mas o princípio da minha resposta não foi claro.
      Obrigado.

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  5. Caro Poeta/Pintor
    Este poema além de ter sido escrito com ternura, é comovente para mim.
    Pelo menos foi assim que me senti.
    Gostei da foto que condiz tão bem com o teor do poema.
    Bom fim-de-semana
    :(

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    1. Somos sensíveis a estas homenagens que, certamente, existem nas nossas vidas.
      Um abraço.

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  6. Um poema emocionante, pelo amor e pela solidão de quem fica quando o objeto desse amor parte, nele revelado. Gosto da foto.
    Abraço, saúde e bom domingo

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    1. Ficar sozinho mas manter os laços com aquele que nos deixou sozinho.
      Saúde, um abraço

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  7. Belo!
    " Amo-te, tenho saudades"
    Não seriam necessárias mais palavras na carta...
    Não assino nenhum nome.
    Existem anónimos entre anónimos, com a Devida impressão digital.

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