Foto de Daniel Filipe Rodrigues



O jardim da memória no Outono


Falo do Outono como se fosse

um conhecedor dos caminhos invisíveis da terra

como se da janela que tenho para o jardim da memória 

não temesse a escuridão quando ela chega

mas temo

confesso


ao confessar isto para mim próprio 

procuro um encontro com a beleza

ou seja

uma noite de Outono pode ter um tom cálido 

e sons de cores ténues 

que tornam a escuridão um soluço de surpresa


assim a imaginação corre pelas cores

ou pela ausência delas e pelos sons dentro

como se me tivessem crescido asas

na parte mais plana e oculta do meu espírito 

falo do Outono

junto-me ao coro de borboletas luminosas


e aprendo com elas a construir o lugar

onde me abrigo até renascer

no dia que se segue ao escuro deste Outono

no meu jardim da memória 

tudo afinal está dentro de nós 

e procria.






Vídeo do autor do texto



Amanhã 


Meço pelo que se diz

a quantidade de lágrimas inconsoláveis


na brusca chegada da luz branca

do quarto minguante

as lágrimas nesse crepúsculo 

são menos doces

são mais trágicas 


e o que se diz são sempre 

as palavras compostas sem critério 

feitas chicote

que deixam vergões 

nos lugares mais íntimos da memória 


deito-me então sobre o que resta

dessa memória 

e expulso-te dos meus sonhos

amanhã já nem nome terás 

e as lágrimas serão inúteis.



 

Foto do autor do texto



A vida ___ o mistério 


Não sei a que mistério devo a vida

mas agora que a conheço e me assusto

preocupo-me em saber

a que devo o mistério de a perder.





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Manuel Cargaleiro

1927 - 2024




Fausto

1948 - 2024




Fotos Visão e Jornal Económico